São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

Próximo Texto | Índice

RETRATO DO BRASIL

FOSSO SOCIAL

Renda média continuou estagnada em 2004, porém mais abonados perderam e pobres ganharam um pouco, diz pesquisa do IBGE

Rico empobrece, e desigualdade diminui

ANTÔNIO GOIS
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

No ano passado, o trabalhador brasileiro viu sua renda ficar estagnada em comparação com 2003, mas percebeu um aumento no número de empregos e uma pequena redução da desigualdade. Essas são as principais conclusões da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2004, divulgada ontem pelo IBGE.
Segundo o instituto, o número de empregos aumentou 3,3% em relação a 2003, acréscimo de 2,7 milhões de trabalhadores ocupados no segundo ano do governo Lula. A taxa de desemprego caiu de 9,7% para 9%, o equivalente a 8,2 milhões de desempregados.
Esse aumento de 3,3% foi o segundo melhor da série histórica iniciada em 1992. Ele só não foi mais positivo do que o verificado de 2001 para 2002, último ano do governo FHC, quando houve alta de 3,8% no número de ocupados.
Mas a renda média do trabalhador permaneceu estagnada em R$ 733, já descontada a inflação do período. Com isso, ainda não foi naquele ano que o trabalhador começou a recuperar a perda de 18,8% verificada desde 1996, quando a renda atingiu seu pico e, desde então, só caiu.
Mesmo sem crescimento na renda, a queda no rendimento dos mais ricos, o recuo da inflação e o aumento real do salário mínimo permitiram uma melhor distribuição da renda do trabalho.
A renda média cresceu 3,2% para a metade dos trabalhadores que ganham menos. Nos 50% que ganham mais, no entanto, ela caiu 0,6%. Se forem considerados apenas os 5% de trabalhadores de mais alta renda no ano passado, a queda foi ainda maior, de 1,6%.
Como a renda dos que ganham menos subiu ao mesmo tempo em que caiu a dos mais ricos, melhorou um pouco a distribuição da renda do trabalho.
O índice de Gini, que avalia a concentração de renda, passou de 0,554 em 2003 para 0,547 em 2004 (quanto mais perto de 1, mais desigual é o rendimento; quanto mais próximo de zero, melhor é a distribuição). Esse é o melhor resultado desde 1981.
Desde 1993, esse indicador de distribuição de renda no país mantém uma tendência constante de melhora, mas essa evolução aconteceu, de um modo geral, à custa da queda do rendimento dos mais ricos.
De 1996 a 2004, a renda média dos 10% com maiores ganhos caiu 22,7%. A renda desse contingente vem caindo todos os anos, inclusive em 2004. No mesmo período, o rendimento médio dos 50% de trabalhadores com menor renda teve uma queda menor, de 4,31%. É por essa razão que, apesar desses dois grupos terem perdido, a distribuição de renda melhorou um pouco, já que os mais pobres perderam menos do que os mais ricos.
Para Eduardo Nunes, presidente do IBGE, ainda há um caminho longo a se percorrer para a eqüidade de renda no país. "A distribuição tem evoluído ano a ano, mas num ritmo ainda muito lento. A concentração de renda aqui ainda é muito elevada para países de renda [PIB] compatível com a do Brasil", disse.
Para João Sabóia, diretor do Instituto de Economia da UFRJ, a redução gradual da concentração de renda no Brasil é um fato positivo, ainda que tenha ocorrido em razão da perda dos mais ricos.
"O ideal seria que o índice de Gini melhorasse com todos ganhando, mas com os pobres ganhando relativamente mais do que os ricos. Mas também não é ruim que os mais ricos tenham perdido um pouco. De todo modo, é um processo de redistribuição de renda. Mesmo que a distribuição tenha melhorado continuamente, a renda ainda é muito concentrada no Brasil. Poucos países do mundo ainda têm um grau de concentração como o nosso", disse Sabóia.
Para Sônia Rocha, economista da Fundação Getulio Vargas, essa melhora na distribuição de renda, somada ao aumento do salário mínimo e à ampliação da massa de salários (já que o emprego cresceu, ainda que a renda tenha ficado estável) deve ter impacto sobre a redução da pobreza no Brasil. "Ainda não dá para afirmar seguramente porque é preciso ver os microdados da Pnad, mas meu palpite é que em 2004 houve uma pequena diminuição da pobreza", disse.

Emprego
A taxa de desemprego caiu porque o número de vagas criadas cresceu mais do que o total de pessoas que ingressaram no mercado de trabalho. A PEA (População Economicamente Ativa) subiu 2,5%, e a ocupação, 3,3%.
Em 2004, foram criados num ritmo forte tanto empregos sem carteira (crescimento de 6%) como com carteira (6,6%). Mas houve uma tendência de formalização porque as contratações registradas (1,569 milhão) superaram as informais (1,126 milhão).
Já o número de trabalhadores por conta própria aumentou bem menos (0,6%), o que fez a categoria perder participação no total de pessoas ocupadas. Na esteira da menor evolução do trabalho por conta própria, o emprego sem remuneração, no qual se insere, por exemplo, aquele membro da família que auxilia na banca do camelô ou na birosca da família, cedeu 4,5% de 2003 para 2004. Já o emprego doméstico, puxado pelas contratações sem registro, subiu 4,2%. Também aumentou acima da média o emprego de servidores e militares, em 4,4%.
A participação dos trabalhadores formais foi de 32% em 2003 para 32,9% em 2004. A dos sem carteira aumentou de 23,5% para 24,1%, enquanto a dos que trabalham por conta própria caiu de 22,3% para 21,8%. Já a participação dos não-remunerados caiu de 7,1% em 2003 para 6,5% em 2004. Em 1992, eram 10,5% do total de empregados.
Por setores, foi a indústria que alavancou o emprego, com crescimento de 6,6%, seguida por serviços 4,8%. No setor agrícola, houve queda de 0,5%. Ao todo, fora das atividades desenvolvidas no campo, o emprego cresceu 4,3% em atividades não-agrícolas.


Próximo Texto: Trabalho: Mercado se fecha para os menos instruídos
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.