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Reeleição ameaçou venda da empresa
VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília
A privatização da Companhia
Vale do Rio Doce não constava do
programa de governo elaborado
para a campanha presidencial de
Fernando Henrique Cardoso. E
quase foi abandonada para garantir a aprovação da reeleição.
Segundo a Folha apurou, os responsáveis pela redação do livro
``Mãos à Obra'' -o programa de
governo do então candidato
FHC- chegaram a receber pressões para que a venda da Vale fosse
incluída na lista de empresas privatizáveis.
Na época, porém, o comando da
campanha de FHC decidiu não
discutir o assunto. O tema era considerado muito polêmico.
O próprio Fernando Henrique
Cardoso externou,
logo após sua eleição, a dúvida
quanto ao destino
da Vale do Rio Doce.
Na primeira entrevista dada na
condição de presidente eleito, em 6
de outubro de
1994, FHC afirmou
que a venda da estatal poderia ficar
para depois do seu
governo.
"Em tese, sou favorável'', chegou a
dizer o presidente eleito. Logo em
seguida, afirmou que não sabia
qual o melhor momento para privatizar a Vale: ``De repente, não dá
para ser nem no meu governo''.
A confirmação de que a Vale seria privatizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso veio,
porém, ainda no seu primeiro ano
de governo.
CARREGADORA DE PEDRAS -
Depois de empossado, FHC passou a se inclinar pela venda da mineradora durante o seu mandato.
Nas conversas sobre o destino da
empresa, o presidente costumava
afirmar que a atividade da empresa
era relativamente simples: "A Vale é uma carregadora de pedras''.
Ele se referia à atividade básica
da empresa: perfurar o solo, extrair minério e transportá-lo para
algum lugar.
No dia 6 de março de 95, o CND
(Conselho Nacional de Desestatização) deu o primeiro passo para
incluir oficialmente a Companhia
Vale do Rio Doce no programa de
privatização.
Em reunião realizada naquela
data, o conselho determinou que o
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) definisse em 60 dias as regras
para contratação de empresas de
consultoria para definir o modelo
de privatização da estatal.
O segundo passo veio dois meses
depois.
No dia 17 de maio de 95, o CND
aprovou a inclusão da Vale do Rio
Doce no programa de privatização
do governo Fernando Henrique
Cardoso.
No mês seguinte, no dia 1º de junho, FHC assinou decreto oficializando a decisão do CND de privatizar a mineradora.
Foi quando começaram a aumentar as reações dos opositores
dessa operação.
PEDRAS NO CAMINHO - Apesar
de ter definido que a Vale seria
vendida, o governo nunca teve
muita certeza sobre a melhor data
para fazer isso.
A certeza sobre a data ficava mais
difícil de ser alcançada à medida
que aumentavam as resistências à
venda -tanto dentro como fora
do governo.
Em 96, as pressões contra a venda da ``carregadora de pedras''
cresceram quando o governo contratou as empresas de consultoria
para definir o modelo de privatização e o valor de venda.
As pressões vieram de dentro da
própria Vale, de aliados políticos,
como o senador José Sarney
(PMDB-AP), governadores e até
de ministros do próprio governo
Fernando Henrique.
``VAMOS DEVAGAR'' - A emenda da reeleição chegou a ser colocada na mesa como moeda de troca pela não-privatização da Vale.
No final de 96, o então presidente
do Senado, José Sarney, deu entrevista dizendo que o governo aprovaria facilmente a reeleição caso
desistisse de privatizar a empresa
estatal.
Como se aproximava a votação
do principal projeto tucano naquele momento -a reeleição-, o
governo ``balançou'', segundo a
Folha apurou junto a assessores
do Palácio do Planalto.
No dia 10 de novembro de 96, os
principais assessores do presidente se reuniram no Palácio do Planalto para tratar do tema.
Entre outros, participaram os
ministros Sérgio Motta (Comunicações), Clóvis Carvalho (Casa Civil) e Eduardo Jorge Caldas Pereira
(Secretaria Geral da Presidência).
O tom da reunião era a concessão. Diante das fortes pressões políticas, o governo deveria desacelerar o ritmo da privatização da Vale. A reeleição era prioritária.
``Vamos devagar com esse negócio'', foi a frase-síntese daquele encontro.
A equipe econômica se manifestou contra o adiamento da venda
da mineradora.
Os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Antonio Kandir (Planejamento) alegavam que o governo
precisava dar uma sinalização clara de que o déficit público seria
combatido no ano seguinte, em 97.
Afinal, o desempenho das contas
públicas naquele ano, 1996, foi sofrível.
O governo prometeu reduzir o
déficit pela metade e não conseguiu atingir sua meta.
A venda da Vale significaria a entrada de mais recursos no caixa do
governo, o que poderia reduzir o
tamanho da dívida pública.
A reeleição acabou sendo aprovada na Câmara dos Deputados
entre janeiro e fevereiro de 97, e o
governo decidiu manter a privatização da Vale no primeiro semestre deste ano.
TRÊS BARREIRAS - A data do primeiro leilão, 29 de abril, acabou
sendo marcada depois que o governo conseguiu derrubar três
barreiras que ainda dificultavam a
privatização da Vale: a destinação
dos recursos da venda, o futuro
das reservas ainda inexploradas da
estatal e o preço mínimo de venda.
A destinação dos recursos da privatização da Vale, por sinal, transformou-se numa disputa dentro e
fora do governo.
O ministro Pedro Malan (Fazenda) defendia que a totalidade dos
recursos arrecadados deveria abater a dívida pública.
O seu colega Antonio Kandir admitia uma mescla -parte do dinheiro seria destinada para o abatimento de dívida pública e parte
para investimentos.
Os governadores de Estado em
que a Vale tem atuação aproveitaram e tentaram dar uma mordida
nos recursos da privatização.
Até os tucanos Eduardo Azeredo
(MG), Marcello Alencar (RJ) e Almir Gabriel (PA) ameaçaram lutar
contra a venda da estatal caso seus
Estados não recebessem uma parcela dos recursos obtidos durante
a privatização.
SENADORES NO PLANALTO - A
solução veio no final de fevereiro.
No dia 26, um grupo de senadores
liderados pelo baiano Antonio
Carlos Magalhães (PFL) estiveram
no Planalto para uma nova tentativa de adiar a venda da Vale.
O temor era, novamente, a reeleição, que ainda tem de ser votada
no Senado.
A desculpa usada para barrar a
privatização era a dúvida sobre a
destinação dos recursos.
Na noite daquele dia, Kandir
participou de um jantar com 15 senadores para tentar convencê-los
de que a venda da Vale era necessária. E apresentou uma proposta
a respeito do uso dos recursos.
No dia seguinte, 27 de fevereiro,
Kandir e o presidente do BNDES,
Luiz Carlos Mendonça de Barros,
estariam no Senado para um depoimento sobre a venda da Vale do
Rio Doce.
A proposta sobre o uso dos recursos da privatização acabou
agradando aos senadores.
Metade dos recursos da venda
seria destinada a um fundo de investimentos para empréstimos a
juros baixos a empresas privadas.
Os financiamentos seriam destinados preferencialmente para
obras nos Estados onde a Vale atua
no momento.
A outra metade iria diretamente
para o abatimento da dívida pública. A solução acabou, inclusive,
com as disputas internas dentro do
governo.
RESERVAS NÃO EXPLORADAS -
Antes, no dia 5 de fevereiro, o governo já tinha conseguido derrubar uma outra barreira que poderia impedir a venda da estatal.
Os críticos afirmavam que o preço de venda da Vale ficaria subestimado porque não iria computar
reservas ainda não exploradas e
não pesquisadas pela estatal.
O governo chegou a acusar funcionários da própria Vale de passar informações para a imprensa
sobre potenciais de reservas ainda
não exploradas para tentar inviabilizar a privatização.
Um funcionário foi, inclusive,
demitido em fevereiro sob acusação de vazar informações com a finalidade de tumultuar o processo.
A proposta do governo que acalmou o mercado prevê uma parceria futura da Vale privatizada e do
BNDES. O banco
ajuda a financiar as
pesquisas de reservas não exploradas
e fica com 50% do
que for descoberto.
PULVERIZAÇÃO
- Em 96, o governo
FHC também foi
obrigado a enfrentar outra articulação de funcionários da Vale. A diretoria da empresa, com o apoio de
políticos, defendia
que o modelo de
privatização deveria caminhar para
a pulverização das
ações da estatal.
Segundo ministros de FHC, a estratégia era diluir o futuro controle
acionário da Vale para que a atual
diretoria continuasse na presidência da empresa.
A proposta acabou sendo derrotada. O governo avaliava que perderia dinheiro com uma pulverização. Afinal, grandes grupos desistiriam de participar do leilão porque não teriam condições de controlar a administração.
PREÇO MÍNIMO - No dia 5 de
março, foi fixado o preço mínimo
de R$ 10,36 bilhões. Segundo ministros envolvidos no processo, o
governo teve a preocupação de definir um valor que permitisse a
participação de pelo menos dois
consórcios na disputa.
Quando a CSN garantiu que formaria um consórcio para disputar
com o já anunciado pela Votorantin, FHC foi avisado por ministros
de que o processo de venda da Vale
poderia seguir até o fim.
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