São Paulo, domingo, 27 de abril de 1997.

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Reeleição ameaçou venda da empresa

VALDO CRUZ
Diretor-executivo da Sucursal de Brasília

FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília

A privatização da Companhia Vale do Rio Doce não constava do programa de governo elaborado para a campanha presidencial de Fernando Henrique Cardoso. E quase foi abandonada para garantir a aprovação da reeleição.
Segundo a Folha apurou, os responsáveis pela redação do livro ``Mãos à Obra'' -o programa de governo do então candidato FHC- chegaram a receber pressões para que a venda da Vale fosse incluída na lista de empresas privatizáveis.
Na época, porém, o comando da campanha de FHC decidiu não discutir o assunto. O tema era considerado muito polêmico.
O próprio Fernando Henrique Cardoso externou, logo após sua eleição, a dúvida quanto ao destino da Vale do Rio Doce.
Na primeira entrevista dada na condição de presidente eleito, em 6 de outubro de 1994, FHC afirmou que a venda da estatal poderia ficar para depois do seu governo.
"Em tese, sou favorável'', chegou a dizer o presidente eleito. Logo em seguida, afirmou que não sabia qual o melhor momento para privatizar a Vale: ``De repente, não dá para ser nem no meu governo''.
A confirmação de que a Vale seria privatizada pelo governo Fernando Henrique Cardoso veio, porém, ainda no seu primeiro ano de governo.
CARREGADORA DE PEDRAS - Depois de empossado, FHC passou a se inclinar pela venda da mineradora durante o seu mandato.
Nas conversas sobre o destino da empresa, o presidente costumava afirmar que a atividade da empresa era relativamente simples: "A Vale é uma carregadora de pedras''.
Ele se referia à atividade básica da empresa: perfurar o solo, extrair minério e transportá-lo para algum lugar.
No dia 6 de março de 95, o CND (Conselho Nacional de Desestatização) deu o primeiro passo para incluir oficialmente a Companhia Vale do Rio Doce no programa de privatização.
Em reunião realizada naquela data, o conselho determinou que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) definisse em 60 dias as regras para contratação de empresas de consultoria para definir o modelo de privatização da estatal.
O segundo passo veio dois meses depois.
No dia 17 de maio de 95, o CND aprovou a inclusão da Vale do Rio Doce no programa de privatização do governo Fernando Henrique Cardoso.
No mês seguinte, no dia 1º de junho, FHC assinou decreto oficializando a decisão do CND de privatizar a mineradora.
Foi quando começaram a aumentar as reações dos opositores dessa operação.
PEDRAS NO CAMINHO - Apesar de ter definido que a Vale seria vendida, o governo nunca teve muita certeza sobre a melhor data para fazer isso.
A certeza sobre a data ficava mais difícil de ser alcançada à medida que aumentavam as resistências à venda -tanto dentro como fora do governo.
Em 96, as pressões contra a venda da ``carregadora de pedras'' cresceram quando o governo contratou as empresas de consultoria para definir o modelo de privatização e o valor de venda.
As pressões vieram de dentro da própria Vale, de aliados políticos, como o senador José Sarney (PMDB-AP), governadores e até de ministros do próprio governo Fernando Henrique.
``VAMOS DEVAGAR'' - A emenda da reeleição chegou a ser colocada na mesa como moeda de troca pela não-privatização da Vale.
No final de 96, o então presidente do Senado, José Sarney, deu entrevista dizendo que o governo aprovaria facilmente a reeleição caso desistisse de privatizar a empresa estatal.
Como se aproximava a votação do principal projeto tucano naquele momento -a reeleição-, o governo ``balançou'', segundo a Folha apurou junto a assessores do Palácio do Planalto.
No dia 10 de novembro de 96, os principais assessores do presidente se reuniram no Palácio do Planalto para tratar do tema.
Entre outros, participaram os ministros Sérgio Motta (Comunicações), Clóvis Carvalho (Casa Civil) e Eduardo Jorge Caldas Pereira (Secretaria Geral da Presidência).
O tom da reunião era a concessão. Diante das fortes pressões políticas, o governo deveria desacelerar o ritmo da privatização da Vale. A reeleição era prioritária.
``Vamos devagar com esse negócio'', foi a frase-síntese daquele encontro.
A equipe econômica se manifestou contra o adiamento da venda da mineradora.
Os ministros Pedro Malan (Fazenda) e Antonio Kandir (Planejamento) alegavam que o governo precisava dar uma sinalização clara de que o déficit público seria combatido no ano seguinte, em 97.
Afinal, o desempenho das contas públicas naquele ano, 1996, foi sofrível.
O governo prometeu reduzir o déficit pela metade e não conseguiu atingir sua meta.
A venda da Vale significaria a entrada de mais recursos no caixa do governo, o que poderia reduzir o tamanho da dívida pública.
A reeleição acabou sendo aprovada na Câmara dos Deputados entre janeiro e fevereiro de 97, e o governo decidiu manter a privatização da Vale no primeiro semestre deste ano.
TRÊS BARREIRAS - A data do primeiro leilão, 29 de abril, acabou sendo marcada depois que o governo conseguiu derrubar três barreiras que ainda dificultavam a privatização da Vale: a destinação dos recursos da venda, o futuro das reservas ainda inexploradas da estatal e o preço mínimo de venda.
A destinação dos recursos da privatização da Vale, por sinal, transformou-se numa disputa dentro e fora do governo.
O ministro Pedro Malan (Fazenda) defendia que a totalidade dos recursos arrecadados deveria abater a dívida pública.
O seu colega Antonio Kandir admitia uma mescla -parte do dinheiro seria destinada para o abatimento de dívida pública e parte para investimentos.
Os governadores de Estado em que a Vale tem atuação aproveitaram e tentaram dar uma mordida nos recursos da privatização.
Até os tucanos Eduardo Azeredo (MG), Marcello Alencar (RJ) e Almir Gabriel (PA) ameaçaram lutar contra a venda da estatal caso seus Estados não recebessem uma parcela dos recursos obtidos durante a privatização.
SENADORES NO PLANALTO - A solução veio no final de fevereiro. No dia 26, um grupo de senadores liderados pelo baiano Antonio Carlos Magalhães (PFL) estiveram no Planalto para uma nova tentativa de adiar a venda da Vale.
O temor era, novamente, a reeleição, que ainda tem de ser votada no Senado.
A desculpa usada para barrar a privatização era a dúvida sobre a destinação dos recursos.
Na noite daquele dia, Kandir participou de um jantar com 15 senadores para tentar convencê-los de que a venda da Vale era necessária. E apresentou uma proposta a respeito do uso dos recursos.
No dia seguinte, 27 de fevereiro, Kandir e o presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, estariam no Senado para um depoimento sobre a venda da Vale do Rio Doce.
A proposta sobre o uso dos recursos da privatização acabou agradando aos senadores.
Metade dos recursos da venda seria destinada a um fundo de investimentos para empréstimos a juros baixos a empresas privadas.
Os financiamentos seriam destinados preferencialmente para obras nos Estados onde a Vale atua no momento.
A outra metade iria diretamente para o abatimento da dívida pública. A solução acabou, inclusive, com as disputas internas dentro do governo.
RESERVAS NÃO EXPLORADAS - Antes, no dia 5 de fevereiro, o governo já tinha conseguido derrubar uma outra barreira que poderia impedir a venda da estatal.
Os críticos afirmavam que o preço de venda da Vale ficaria subestimado porque não iria computar reservas ainda não exploradas e não pesquisadas pela estatal.
O governo chegou a acusar funcionários da própria Vale de passar informações para a imprensa sobre potenciais de reservas ainda não exploradas para tentar inviabilizar a privatização.
Um funcionário foi, inclusive, demitido em fevereiro sob acusação de vazar informações com a finalidade de tumultuar o processo.
A proposta do governo que acalmou o mercado prevê uma parceria futura da Vale privatizada e do BNDES. O banco ajuda a financiar as pesquisas de reservas não exploradas e fica com 50% do que for descoberto.
PULVERIZAÇÃO - Em 96, o governo FHC também foi obrigado a enfrentar outra articulação de funcionários da Vale. A diretoria da empresa, com o apoio de políticos, defendia que o modelo de privatização deveria caminhar para a pulverização das ações da estatal.
Segundo ministros de FHC, a estratégia era diluir o futuro controle acionário da Vale para que a atual diretoria continuasse na presidência da empresa.
A proposta acabou sendo derrotada. O governo avaliava que perderia dinheiro com uma pulverização. Afinal, grandes grupos desistiriam de participar do leilão porque não teriam condições de controlar a administração.
PREÇO MÍNIMO - No dia 5 de março, foi fixado o preço mínimo de R$ 10,36 bilhões. Segundo ministros envolvidos no processo, o governo teve a preocupação de definir um valor que permitisse a participação de pelo menos dois consórcios na disputa.
Quando a CSN garantiu que formaria um consórcio para disputar com o já anunciado pela Votorantin, FHC foi avisado por ministros de que o processo de venda da Vale poderia seguir até o fim.

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