São Paulo, domingo, 27 de maio de 2001

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"A gente era muito mais feliz no mato", afirma líder matis

Flávio Florido/Folha Imagem
Ivan Napa Matis posa para foto; o líder, que foi guia da expedição, recorda com pesar o dia em que os brancos fizeram o primeiro contato com a sua tribo


DO ENVIADO ESPECIAL AO AMAZONAS

Ivan Napa Matis tem duas histórias para contar para os quatro filhos, todos ainda crianças. A primeira é que participou da missão da Funai que, em 1996, contatou o grupo de índios corubos, ameaçados de morte por caçadores. Se os corubos se salvarem, pode ser uma história com final feliz.
A segunda história é que a maior parte da sua tribo, os matis, foi dizimada por doenças trazidas pelo contato com os brancos no final dos anos 70. Uma história que deixou marcas nele mesmo. Matis foi um dos jovens líderes de sua tribo que trabalharam como mateiro da expedição da Funai. Na entrevista a seguir, ele preferiu não responder o que acha dos brancos. Foi uma resposta. (TT)

Folha - Como foi o contato dos matis com os brancos?
Ivan Matis -
Faz tempo [1976". Eu era criança, mas lembro. Eu tinha medo, porque os brancos sempre andavam armados. Eles chamaram meu pai e trouxeram presentes: facões, milho e batata. Diziam que vinham para ajudar.

Folha - O que aconteceu depois?
Matis -
Antes [do contato", a gente não sabia que branco trazia gripe, sarampo, pneumonia. Meu pai morreu de pneumonia. Muita gente morreu [dois terços dos 250 matis contados morreram de doenças em cinco anos".

Folha - O que acha dos brancos?
Matis -
[Não respondeu".

Folha - O que o contato com os brancos trouxe de bom?
Matis -
Tem espingarda, roupa e vacina.

Folha - E de ruim?
Matis -
Cachaça, cerveja e doença.

Folha - Moram brancos na aldeia?
Matis -
Lá só mora a gente. A gente caça, faz festas. Branco só tem no posto [da Funai".

Folha - Você participou da expedição que contatou os corubos. Como eles estão?
Matis -
Antes, os caçadores atiravam neles. Tem um monte deles com chumbo no corpo. Agora sabem do perigo, ficam mais longe de onde vem os caçadores. O perigo ficou mais longe.

Folha - Quem vive melhor, os matis, que já usam roupa e caçam com espingarda, ou os corubos, que ainda vivem pelados?
Matis -
Nós [os matis". Mas isso porque a gente passou pela doença, não tem mais morte por gripe. Porque se a gente continuasse sofrendo como na época do meu pai não ia ter mais matis.

Folha - O que você acha que deve ser feito com os índios que ainda não tiveram contato com brancos?
Matis -
A minha mãe me diz que a gente era muito mais feliz no mato, sem o contato.


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