São Paulo, terça-feira, 28 de maio de 2002

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Grandezas e misérias das Copas

Carlos Heitor Cony

Pela faixa etária, poderia me considerar uma testemunha auricular e ocular da história dos Mundiais. Mas não devo exagerar. Só comecei a tomar conhecimento do brinquedo em 1950, quando a Copa não era do mundo, mas Copa Jules Rimet, e teve como cenário principal o recém-inaugurado estádio Mário Filho, também conhecido como Maracanã.
Antes, em 1938, na Copa da França, era muito criança, mesmo assim me impressionei com as multidões paradas nas ruas do Rio, ouvindo as transmissões de Gagliano Netto, precárias, cheias de ruídos -diziam que eram as ondas do mar que interferiam nas ondas hertzianas. O fato é que houve delírio quando vencemos a Tchecoslováquia. Leônidas inventou a bicicleta e Domingos era considerado um deus dos estádios.
Quase chegamos à final, perdemos para a Itália por culpa de Domingos, que fez um pênalti desnecessário. A Itália nos venceu e logo após levantava o campeonato -o fascismo de Mussolini fazia os italianos vibrarem, eram campeões em tudo, em ciclismo, em futebol, em piruetas aéreas e até no boxe, com o gigante Primo Carnera dando surra em alemães e norte-americanos.
Depois, sim, veio a Segunda Guerra Mundial, 12 anos sem Copa, até que o Brasil se candidatou a patrocinar o torneio de 1950, construiu o maior estádio do mundo e armou o time que também foi considerado o melhor do mundo.
Já tínhamos, então, a certeza de que éramos mesmo os melhores do mundo, e a Copa de 50 confirmou isso. Mesmo assim a perdemos, na última partida, contra o Uruguai. Muita tinta e muita lágrima já foram derramadas para chorar e descrever aquele fatídico dia em que uma bobeada da defesa causou a maior frustração da nossa história, só sendo superada pelo suicídio de Vargas, quatro anos depois.
De 1950, guardo algumas imagens fundamentais. O primeiro gol da Copa, os canhões do Exército dando a salva de 21 tiros e Ademir, ainda ao som dos canhões, fazendo o primeiro gol num rush fulminante contra o México.
Tivemos um empate em São Paulo, mas nesse tempo São Paulo não era Brasil para o futebol carioca. Depois, sim, tivemos a série de goleadas que levaram o país ao delírio. Lembro a manchete de um jornal: "Jair fabuloso!". Nunca houve um trio atacante (era assim que se chamava) como Zizinho, Ademir e Jair da Rosa Pinto.
No final, a multidão chorando, os bumbos, pandeiros em funeral, eu chorava pela derrota e depois chorei misturando motivos, achando que na vida do Brasil e na minha própria vida nada daria certo.
Em 54 foi diferente, não tínhamos um bom time, nossos jogadores eram imaturos, Castilho chorava o tempo todo sob as traves, Zezé Moreira perdeu a esportiva, um desastre que só não foi definitivo porque havia o escrete húngaro do Armando Nogueira, fábrica de futebol que perderia para a Alemanha na final, mas ficaria como um dos mitos do futebol mundial.
Finalmente, 1958, na Suécia, Pelé e Garrincha estreando, Didi sendo o maestro, Mister King, o rei da Suécia, entregando a Jules Rimet (posteriormente roubada na rua da Alfândega, aqui no Rio) ao capitão Bellini.


Em 82, o melhor time que o Brasil armou, perdemos para um tal de Rossi, um italiano homônimo dp vermute famoso


Vivíamos o melhor, o mais esfuziante momento da vida nacional, com um presidente bossa-nova afundando o pé no acelerador, fazendo Brasília, estradas, hidrelétricas, automóveis, navios, tudo dando certo, sacudíamos três séculos de pessimismo e ganhávamos até o torneio de tênis em Wimbledon, com Maria Esther Bueno.
Repetimos a façanha em 62, sem Pelé, mas com Garrincha em seu melhor momento, sua "finest hour". Basicamente, éramos ainda o mesmo de 58, mas não podíamos ser eternos. Quatro anos depois, na Inglaterra, numa Copa macetada para dar a taça aos inventores do futebol, perdemos feio para Portugal, um time que não se entendia, nem moço nem velho, apenas sem personalidade.
Guardamos nossos clarins e cuícas para o México, 70 milhões em ação, muita fofoca política, João Saldanha escolhendo as feras que Zagallo levou ao tricampeonato. Se havia alguma dúvida de que éramos os melhores mesmo, a posse definitiva da Jules Rimet foi a prova das provas.
As ruas se cobriram de verde e amarelo, vivíamos o momento da repressão política, mas houve uma pausa, o ditador de plantão chegava a ser aplaudido nos estádios.
Vieram depois as amargas da vida. Em 74, o carrossel da Holanda, em 78, a grande marmelada da Argentina, aquela goleada sofrida pelo Peru para classificar os donos da festa. Correu dinheiro grosso, e o presidente Videla posou de vitorioso, mas continua preso por crimes iguais e piores.
Em 82, no meu entender, o melhor time que o Brasil armou, com Telê insistindo em Serginho, mas com Falcão, Zico e Júnior em grande forma. Perdemos para um tal de Rossi, um italiano homônimo do vermute famoso.
Em 86 e 90, iniciamos o recesso, times medíocres, politicagem nefasta na cúpula das federações e clubes, o rendimento baixou, nem mesmo o tetra, em 94, nos Estados Unidos, levantou nossa moral. Vencemos nos pênaltis e, o melhor, a Itália, que em 82 tivera um Rossi, teve um Baggio que jogou fora um pênalti.
Em 98, o Brasil era uma fábrica de material esportivo. Lucrou muito, mas não trouxe a Copa, trouxe um Ronaldinho enigmático e uma CPI que ficou pela metade. Em 2002, temos novo encontro com o destino. Tudo pode acontecer, mas, pessoalmente, acho que o penta não será para os dias de minha geração.



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