São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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E AGORA, LULA?

ARTICULAÇÃO

Com métodos do período da luta armada, presidente do partido lidera guinada pragmática com mão de ferro

Artífice da vitória, Dirceu é "sombra" de Lula

ROGÉRIO GENTILE
EDITOR DO PAINEL
OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA

O homem forte do governo Luiz Inácio Lula da Silva é um dos grandes artífices da estratégia que conduziu o petista à Presidência da República. José Dirceu de Oliveira e Silva, 56, provavelmente o único membro do PT ao qual Lula dará autonomia para escolher o cargo que quiser na sua administração, será uma espécie de âncora política da gestão que substituirá a de Fernando Henrique Cardoso, respondendo pela articulação com o Congresso, governadores, prefeitos e partidos.
Nos bastidores do PT, comenta-se que José Dirceu deve assumir a Casa Civil ou o Ministério da Justiça, onde o deputado petista teria controle sobre a Polícia Federal e muita proximidade com os serviços de inteligência do país.
Presidente nacional do partido, Dirceu operou a guinada pragmática do PT com mão de ferro, muitas vezes à revelia de lideranças partidárias importantes, incomodadas com o "novo PT", em cujo projeto de poder cabem partidos como o PL e figuras como Orestes Quércia e José Sarney.
Os métodos do articulador Dirceu fazem jus ao seu passado como líder estudantil e, sobretudo, como militante da luta armada contra o regime militar.
Em rodas privadas, o petista costuma se referir a si mesmo dizendo que aprendeu a fazer política na base do "matar ou morrer".
Na semana passada, numa espécie de avant-première de seu estilo no governo, Dirceu telefonou para o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, pressionando-o a tomar alguma atitude contra procuradores do Amapá que pretendiam pedir a cassação da candidata do PT ao governo, Dalva Figueiredo.
Os objetivos de Dirceu e do PT mudaram muito ao longo do tempo, mas a maneira de alcançá-los permanece orientada pela máxima segundo a qual "os fins justificam os meios". A aliança com Quércia é um caso típico. Estava quase fechada quando surgiu um problema: a CPI do Banespa, criada para investigar a crise que levou à falência o banco estatal nas gestões de Quércia e Fleury Filho.
Os petistas que participavam da comissão defendiam que o peemedebista fosse convocado a depor e, posteriormente, apontado como um dos responsáveis pela quebra do banco. Chegaram a redigir um voto em separado, divergente do relatório final da comissão, que era favorável a Quércia.
O ex-governador procurou o PT, queixando-se. Dirceu, que ao se lançar candidato ao governo em 94 dizia "querer acabar com os oito anos de quercismo em São Paulo", não teve dúvidas: exigiu que os petistas mudassem de posição com o argumento de que a eleição de Lula era a "prioridade".
O voto em separado nem chegou a ser protocolado. Quércia saiu livre da investigação e foi parar nos outdoors de Lula.
O acordo com José Sarney também teve o dedo pragmático de Dirceu. No início do ano, ele apareceu de surpresa na casa do ex-presidente. Tomou café, fez elogios, pediu conselhos e prometeu que o PT do Maranhão não atacaria os Sarney. Mais do que isso: para não atrapalhar o candidato de Sarney no Estado, José Reinaldo (PFL), garantiu que Lula não subiria no palanque de Raimundo Monteiro (PT). Os petistas maranhenses tentaram se rebelar, mas foram contidos por Dirceu.
A ampla política de alianças que elegeu Lula já se anunciava nos discursos de Dirceu na sua primeira campanha à Presidência do PT, em 95. Defendia que o partido precisava ser "reformado".
Aos poucos, Dirceu foi sufocando as esquerdas da sigla, centralizando o seu comando e a tomada de decisões. Na campanha, chegou a obrigar o diretório de Alagoas a se aliar ao PL local, mantido por usineiros e políticos colloridos. Era a exigência de José Alencar para ser o vice de Lula.
Todas essas negociações acabaram se refletindo na saúde de Dirceu. Hipertenso e estressado, teve de ser levado durante a campanha pelo menos duas vezes a um posto médico. Em meio a crises, segundo relato de assessores, chegou a atirar seu celular contra a parede.
O presidente do PT é uma pessoa metódica e obstinada, e deve a isso tanto o prestígio e a confiança que conquistou junto a Lula como os atritos que acumulou no PT, alguns deles com o próprio presidente eleito. Em 94, disputou o governo de SP queixando-se da falta de empenho de Lula na sua pré-campanha. Lula não queria que Dirceu fosse candidato. Tentou evitar a realização das prévias, pois preferia apoiar Mário Covas.
Dirceu chegou a telefonar a Lula dizendo que as relações pessoais entre os dois nunca mais seriam as mesmas. Só não o atacou publicamente porque foi contido por Luiza Erundina. Contentou-se em bombardear a já difícil chance de uma aliança com o PSDB.
Três anos depois, os dois voltaram a se estranhar quando estourou o caso CPEM, no qual o economista Paulo de Tarso Venceslau acusou Lula de pressionar prefeituras petistas a contratar empresa que teria ligações com Roberto Teixeira da Costa (compadre de Lula e dono da casa onde morava de graça à época).
Já na presidência do PT, Dirceu montou uma comissão para apurar o caso e convidou para integrá-la o vereador José Eduardo (SP), com quem Lula não mantinha relações muito próximas.
Ao ser questionado sobre o motivo de o PT não ter apurado o caso em 95, quando o economista fez internamente a primeira denúncia, Dirceu respondeu: "Não fazia parte da direção do PT na época". E completou: "Não acho que ele (Lula) se omitiu. Cometeu um erro, mas não se omitiu". Lula ficou irritado: "Quando era presidente do partido, nunca levei a sério a carta. Se fosse hoje, o caso não seria apurado", disse à época.
Nesta campanha também houve momentos de rusgas. Logo no início, o deputado convocou uma reunião da cúpula do PT da qual Lula não participaria. Na hora marcada, quase ninguém havia aparecido. Dirceu bufava de raiva. Vinte minutos depois, os atrasados começaram a entrar na sala, praticamente um atrás do outro, vindos de um mesmo lugar. Lula os chamara para uma reunião prévia. Quem estava presente entendeu como um recado de Lula: "Quem manda aqui sou eu".
Dirceu entrou na política como líder estudantil. Em 68, presidente da União Estadual dos Estudantes, foi preso em Ibiúna (SP) e, depois, libertado com outras 14 pessoas em troca do embaixador Charles Elbrick (EUA).
Foi para Cuba e até a anistia, em 79, viveu uma história sobre a qual evita fazer comentar.
Em Cuba, integrou o Grupo Primavera, formado por 28 jovens, dos quais 20 morreram em menos de um ano após retornarem clandestinamente ao Brasil. Para viver em segurança, fez uma plástica e foi morar em Cruzeiro do Oeste (PR), onde casou e teve um filho. Sua mulher soube por ele de sua real identidade só quando a anistia foi anunciada.
Dirceu mora hoje em São Paulo num apartamento avaliado em R$ 270 mil e registrado em nome da atual mulher, Maria de Andrade. Tem duas filhas (Joana e Camila), além de Zeca, do primeiro casamento, candidato (derrotado) a deputado estadual no Paraná. Zeca diz que, recentemente, conversou com o pai. Falaram sobre a campanha de Lula: "Tudo o que era possível ser feito foi feito. E foi muito bem feito. Agora é só esperar", disse José Dirceu.


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