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E AGORA, LULA?
ARTICULAÇÃO
Com métodos do período da luta armada, presidente do partido lidera guinada pragmática com mão de ferro
Artífice da vitória, Dirceu é "sombra" de Lula
ROGÉRIO GENTILE
EDITOR DO PAINEL
OTÁVIO CABRAL
DO PAINEL, EM BRASÍLIA
O homem forte do governo Luiz
Inácio Lula da Silva é um dos
grandes artífices da estratégia que
conduziu o petista à Presidência
da República. José Dirceu de Oliveira e Silva, 56, provavelmente o
único membro do PT ao qual Lula
dará autonomia para escolher o
cargo que quiser na sua administração, será uma espécie de âncora política da gestão que substituirá a de Fernando Henrique Cardoso, respondendo pela articulação com o Congresso, governadores, prefeitos e partidos.
Nos bastidores do PT, comenta-se que José Dirceu deve assumir a
Casa Civil ou o Ministério da Justiça, onde o deputado petista teria
controle sobre a Polícia Federal e
muita proximidade com os serviços de inteligência do país.
Presidente nacional do partido,
Dirceu operou a guinada pragmática do PT com mão de ferro, muitas vezes à revelia de lideranças
partidárias importantes, incomodadas com o "novo PT", em cujo
projeto de poder cabem partidos
como o PL e figuras como Orestes
Quércia e José Sarney.
Os métodos do articulador Dirceu fazem jus ao seu passado como líder estudantil e, sobretudo,
como militante da luta armada
contra o regime militar.
Em rodas privadas, o petista
costuma se referir a si mesmo dizendo que aprendeu a fazer política na base do "matar ou morrer".
Na semana passada, numa espécie de avant-première de seu
estilo no governo, Dirceu telefonou para o procurador-geral da
República, Geraldo Brindeiro,
pressionando-o a tomar alguma
atitude contra procuradores do
Amapá que pretendiam pedir a
cassação da candidata do PT ao
governo, Dalva Figueiredo.
Os objetivos de Dirceu e do PT
mudaram muito ao longo do
tempo, mas a maneira de alcançá-los permanece orientada pela máxima segundo a qual "os fins justificam os meios". A aliança com
Quércia é um caso típico. Estava
quase fechada quando surgiu um
problema: a CPI do Banespa, criada para investigar a crise que levou à falência o banco estatal nas
gestões de Quércia e Fleury Filho.
Os petistas que participavam da
comissão defendiam que o peemedebista fosse convocado a depor e, posteriormente, apontado
como um dos responsáveis pela
quebra do banco. Chegaram a redigir um voto em separado, divergente do relatório final da comissão, que era favorável a Quércia.
O ex-governador procurou o
PT, queixando-se. Dirceu, que ao
se lançar candidato ao governo
em 94 dizia "querer acabar com
os oito anos de quercismo em São
Paulo", não teve dúvidas: exigiu
que os petistas mudassem de posição com o argumento de que a
eleição de Lula era a "prioridade".
O voto em separado nem chegou a ser protocolado. Quércia
saiu livre da investigação e foi parar nos outdoors de Lula.
O acordo com José Sarney também teve o dedo pragmático de
Dirceu. No início do ano, ele apareceu de surpresa na casa do ex-presidente. Tomou café, fez elogios, pediu conselhos e prometeu
que o PT do Maranhão não atacaria os Sarney. Mais do que isso:
para não atrapalhar o candidato
de Sarney no Estado, José Reinaldo (PFL), garantiu que Lula não
subiria no palanque de Raimundo Monteiro (PT). Os petistas
maranhenses tentaram se rebelar,
mas foram contidos por Dirceu.
A ampla política de alianças que
elegeu Lula já se anunciava nos
discursos de Dirceu na sua primeira campanha à Presidência do
PT, em 95. Defendia que o partido
precisava ser "reformado".
Aos poucos, Dirceu foi sufocando as esquerdas da sigla, centralizando o seu comando e a tomada
de decisões. Na campanha, chegou a obrigar o diretório de Alagoas a se aliar ao PL local, mantido por usineiros e políticos
colloridos. Era a exigência de José
Alencar para ser o vice de Lula.
Todas essas negociações acabaram se refletindo na saúde de Dirceu. Hipertenso e estressado, teve
de ser levado durante a campanha
pelo menos duas vezes a um posto
médico. Em meio a crises, segundo relato de assessores, chegou a
atirar seu celular contra a parede.
O presidente do PT é uma pessoa metódica e obstinada, e deve a
isso tanto o prestígio e a confiança
que conquistou junto a Lula como
os atritos que acumulou no PT, alguns deles com o próprio presidente eleito. Em 94, disputou o
governo de SP queixando-se da
falta de empenho de Lula na sua
pré-campanha. Lula não queria
que Dirceu fosse candidato. Tentou evitar a realização das prévias,
pois preferia apoiar Mário Covas.
Dirceu chegou a telefonar a Lula
dizendo que as relações pessoais
entre os dois nunca mais seriam
as mesmas. Só não o atacou publicamente porque foi contido por
Luiza Erundina. Contentou-se em
bombardear a já difícil chance de
uma aliança com o PSDB.
Três anos depois, os dois voltaram a se estranhar quando estourou o caso CPEM, no qual o economista Paulo de Tarso Venceslau acusou Lula de pressionar
prefeituras petistas a contratar
empresa que teria ligações com
Roberto Teixeira da Costa (compadre de Lula e dono da casa onde
morava de graça à época).
Já na presidência do PT, Dirceu
montou uma comissão para apurar o caso e convidou para integrá-la o vereador José Eduardo
(SP), com quem Lula não mantinha relações muito próximas.
Ao ser questionado sobre o motivo de o PT não ter apurado o caso em 95, quando o economista
fez internamente a primeira denúncia, Dirceu respondeu: "Não
fazia parte da direção do PT na
época". E completou: "Não acho
que ele (Lula) se omitiu. Cometeu
um erro, mas não se omitiu". Lula
ficou irritado: "Quando era presidente do partido, nunca levei a sério a carta. Se fosse hoje, o caso
não seria apurado", disse à época.
Nesta campanha também houve momentos de rusgas. Logo no
início, o deputado convocou uma
reunião da cúpula do PT da qual
Lula não participaria. Na hora
marcada, quase ninguém havia
aparecido. Dirceu bufava de raiva.
Vinte minutos depois, os atrasados começaram a entrar na sala,
praticamente um atrás do outro,
vindos de um mesmo lugar. Lula
os chamara para uma reunião
prévia. Quem estava presente entendeu como um recado de Lula:
"Quem manda aqui sou eu".
Dirceu entrou na política como
líder estudantil. Em 68, presidente da União Estadual dos Estudantes, foi preso em Ibiúna (SP)
e, depois, libertado com outras 14
pessoas em troca do embaixador
Charles Elbrick (EUA).
Foi para Cuba e até a anistia, em
79, viveu uma história sobre a
qual evita fazer comentar.
Em Cuba, integrou o Grupo
Primavera, formado por 28 jovens, dos quais 20 morreram em
menos de um ano após retornarem clandestinamente ao Brasil.
Para viver em segurança, fez uma
plástica e foi morar em Cruzeiro
do Oeste (PR), onde casou e teve
um filho. Sua mulher soube por
ele de sua real identidade só
quando a anistia foi anunciada.
Dirceu mora hoje em São Paulo
num apartamento avaliado em
R$ 270 mil e registrado em nome
da atual mulher, Maria de Andrade. Tem duas filhas (Joana e Camila), além de Zeca, do primeiro
casamento, candidato (derrotado) a deputado estadual no Paraná. Zeca diz que, recentemente,
conversou com o pai. Falaram sobre a campanha de Lula: "Tudo o
que era possível ser feito foi feito.
E foi muito bem feito. Agora é só
esperar", disse José Dirceu.
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