São Paulo, segunda-feira, 28 de outubro de 2002

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CAMPO

Parte do movimento fala em "programa mínimo" no início, mas ala radical diz que latifundiário é "inimigo"

MST já se divide entre trégua e invasões

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), um dos grupos sociais mais ativos e polêmicos do país, vai apresentar um "programa mínimo" ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com metas de assentamento e de mudanças na política agrária.
Identificado com o PT desde sua origem, o MST oferece em troca uma trégua em suas invasões de terra no começo do governo Lula -embora ninguém arrisque falar em prazos.
O programa será elaborado em encontro no dia 26 de novembro que reunirá o MST e entidades como a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), sob o guarda-chuva da organização internacional Vía Campesina.
Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, diz que as reivindicações serão feitas, "entendendo as limitações de início de governo, mas com o governo tendo que entender também a situação explosiva no campo". A afirmação pode ser entendida como um "fôlego" concedido pelo MST para o início do governo petista, apoiado pelo movimento.
Seguindo uma máxima do ideólogo do MST, o economista João Pedro Stedile, de que "se reunião resolvesse o problema no campo, o MST faria só reuniões", o movimento quer respostas práticas.
O próprio Stedile, que organiza o encontro em novembro, disse que haverá cobrança. "Queremos discutir o modelo agrícola. É necessário mudar a lógica atual, que copia o modelo norte-americano, e redirecionar toda política para democratização da propriedade da terra, reorganização da produção para alimentos e o mercado interno, estímulo aos agricultores familiares e assentados", disse.
Segundo Stedile e o coordenador João Paulo Rodrigues, a "agenda mínima" abrange um programa emergencial, para ser implementado no primeiro ano do governo Lula, com exigências econômicas e políticas.
Para ele, há alguns pontos básicos. O novo governo, diz, teria que "liberar áreas para assentar as 90 mil famílias hoje acampadas no país" e liberar mais créditos para assentamentos. "O Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar) tem que ser menos burocrático. Vamos ver se cooperativas de crédito, formadas pelos assentados, apressam a liberação dos recursos", afirma Rodrigues.
No plano político, a revogação de portarias e medidas provisórias do atual governo é a prioridade. Segundo Rodrigues, o fim do "congelamento das vistorias em áreas invadidas e a anistia para os assentados excluídos da reforma agrária são vitais para se restabelecer a justiça no campo". A MP 2.109, de março de 2001, definiu a suspensão por dois anos de vistorias com fins de reforma agrária em áreas invadidas, desestimulando as ações. Já foram congeladas vistorias em 88 áreas, e outras 29 estão com processo de desapropriação parados por invasões.
Ontem, as lideranças misturavam esperança e alerta. "O agora é Lula vai ser transformado em agora somos nós. Sua vitória é simbolicamente muito forte, com o povo criando a expectativa de um novo país", disse Rodrigues.
Mas há sinais de alerta, como o dado por Jaime Amorim, líder da seção pernambucana do MST, considerada uma das mais "radicais", por seus detratores, ou "combativas", por seus defensores. Para ele, com Lula, o "inimigo" deixa de ser o governo e passa a ser o latifundiário. "Lula sabe da importância da reforma agrária", diz Amorim. Mas sua vitória não impedirá que as invasões continuem. "Não vamos parar." De acordo com ele, as invasões servirão para "indicar" as áreas improdutivas ao governo. Como isso vai ocorrer ainda é uma incógnita.


Colaborou FÁBIO GUIBU, da Agência Folha, em Recife

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