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BARBARA GANCIA
Paulistano ama ronco de motor
Diz aquele comercial de gasolina que o brasileiro é apaixonado por automóveis. Não sei,
não. Desconheço o grau de afetividade dos habitantes da ilha de
Marajó e dos nativos do Alto Xingu por motores, mas aposto um picolé de limão como nenhum outro
brazuca gosta tanto do ronco dos
motores quanto o paulistano.
Em matéria de prestígio automobilístico, o Rio de Janeiro largou na frente. Além de sediar a
mais importante prova nacional
do circuito da Gávea, nos anos 30,
a cidade se destacou por ter sido
Nanô da Silva Ramos, carioca, o
primeiro piloto tapuia a competir
na Fórmula 1.
Mas, no início dos anos 50, o
paulistano caiu perdidamente de
amores pelo automóvel e começou
a desbancar o Rio. O fabuloso Chico Landi já dava suas "esmerilhadas" no autódromo de Interlagos,
em 54, quando a Volkswagen instalou sua fábrica em São Paulo.
Em seguida veio a Ford, e o paulistano tomou gosto pela brincadeira. E foi logo produzindo dois
pilotos de classe internacional,
Christian Heinz, que morreu ao
volante de um Alpine, nas 24 Horas de Le Mans, e o gentleman Celso Lara Barberis, que também
morreu pilotando, em Interlagos,
e que chegou a competir com um
carro oficial fornecido pela Ferrari
num GP de F-1 sediado na Cuba
do ditador Fulgêncio Batista.
Na época em que Volkswagen e
Ford aportaram aqui, o autódromo de Interlagos não passava de
um matagal sinistro com uma pistinha onde os pilotos eram obrigados a driblar buracos, pedras e
animais.
Lembro bem daquela Interlagos
capenga, que tinha uma ponte de
madeira caindo aos pedaços cruzando o meio da reta dos boxes.
Nela, vi pilotos como Camilo Cristófaro, os irmãos Fittipaldi, José
Carlos Pace, Luís Pereira Bueno,
Ciro Cayres, Marivaldo Fernandes, Ubaldo César Lolli, Emilio
Zambello e Piero Gancia levantarem uma galera quase heróica,
que se dispunha a passar a noite
ao relento para assistir a provas
como as 24 Horas e as 500 Milhas
de Interlagos.
Começava a década de 60, e a
paixão pelos carros já extrapolava
os limites de Interlagos. Na avenida Nove de Julho, qualquer pessoa
que tivesse em mãos as chaves de
um carro importado era convidada a participar dos rachas que
aconteciam todas as noites. As autoridades fechavam os olhos, e os
loucos por motores faziam a festa.
Na rua Augusta, o desfile dos
automóveis importados era uma
atração "per se", e visitar a vitrine
da Dacon servia de inspiração para os fãs dos pilotos da mitológica
equipe, Bird Clemente, José Carlos
Pace e Wilson Fittipaldi Jr.
Lá pelo final dos anos 60, Sampa
resolveu fazer seu amor pelos carros ser conhecido no resto do mundo. Além de sediar o Salão do Automóvel, um evento de repercussão mundial, a cidade praticamente oficializou em cartório a
paixão pela velocidade com uma
grande reforma no autódromo de
Interlagos, o que possibilitou a
vinda de provas internacionais ao
país. Justo nessa época, um sujeito
chamado Emerson Fittipaldi arrumou a trouxa e foi correr nas
fórmulas de base na Inglaterra.
O que se seguiu é uma história
de sucesso conhecida no mundo
todo, que pode ser contada por
meio de oito títulos de Fórmula 1.
Barbara Gancia é colunista da Folha.
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