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São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003

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BARBARA GANCIA

Paulistano ama ronco de motor

Diz aquele comercial de gasolina que o brasileiro é apaixonado por automóveis. Não sei, não. Desconheço o grau de afetividade dos habitantes da ilha de Marajó e dos nativos do Alto Xingu por motores, mas aposto um picolé de limão como nenhum outro brazuca gosta tanto do ronco dos motores quanto o paulistano.
Em matéria de prestígio automobilístico, o Rio de Janeiro largou na frente. Além de sediar a mais importante prova nacional do circuito da Gávea, nos anos 30, a cidade se destacou por ter sido Nanô da Silva Ramos, carioca, o primeiro piloto tapuia a competir na Fórmula 1.
Mas, no início dos anos 50, o paulistano caiu perdidamente de amores pelo automóvel e começou a desbancar o Rio. O fabuloso Chico Landi já dava suas "esmerilhadas" no autódromo de Interlagos, em 54, quando a Volkswagen instalou sua fábrica em São Paulo.
Em seguida veio a Ford, e o paulistano tomou gosto pela brincadeira. E foi logo produzindo dois pilotos de classe internacional, Christian Heinz, que morreu ao volante de um Alpine, nas 24 Horas de Le Mans, e o gentleman Celso Lara Barberis, que também morreu pilotando, em Interlagos, e que chegou a competir com um carro oficial fornecido pela Ferrari num GP de F-1 sediado na Cuba do ditador Fulgêncio Batista.
Na época em que Volkswagen e Ford aportaram aqui, o autódromo de Interlagos não passava de um matagal sinistro com uma pistinha onde os pilotos eram obrigados a driblar buracos, pedras e animais.
Lembro bem daquela Interlagos capenga, que tinha uma ponte de madeira caindo aos pedaços cruzando o meio da reta dos boxes. Nela, vi pilotos como Camilo Cristófaro, os irmãos Fittipaldi, José Carlos Pace, Luís Pereira Bueno, Ciro Cayres, Marivaldo Fernandes, Ubaldo César Lolli, Emilio Zambello e Piero Gancia levantarem uma galera quase heróica, que se dispunha a passar a noite ao relento para assistir a provas como as 24 Horas e as 500 Milhas de Interlagos.
Começava a década de 60, e a paixão pelos carros já extrapolava os limites de Interlagos. Na avenida Nove de Julho, qualquer pessoa que tivesse em mãos as chaves de um carro importado era convidada a participar dos rachas que aconteciam todas as noites. As autoridades fechavam os olhos, e os loucos por motores faziam a festa.
Na rua Augusta, o desfile dos automóveis importados era uma atração "per se", e visitar a vitrine da Dacon servia de inspiração para os fãs dos pilotos da mitológica equipe, Bird Clemente, José Carlos Pace e Wilson Fittipaldi Jr.
Lá pelo final dos anos 60, Sampa resolveu fazer seu amor pelos carros ser conhecido no resto do mundo. Além de sediar o Salão do Automóvel, um evento de repercussão mundial, a cidade praticamente oficializou em cartório a paixão pela velocidade com uma grande reforma no autódromo de Interlagos, o que possibilitou a vinda de provas internacionais ao país. Justo nessa época, um sujeito chamado Emerson Fittipaldi arrumou a trouxa e foi correr nas fórmulas de base na Inglaterra.
O que se seguiu é uma história de sucesso conhecida no mundo todo, que pode ser contada por meio de oito títulos de Fórmula 1.


Barbara Gancia é colunista da Folha.


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