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São Paulo, sexta-feira, 28 de novembro de 2003

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ADIB JATENE

Tecnologia versus falta de leitos

São Paulo é o maior centro de referência em saúde no país, concentrando enorme arsenal de alta tecnologia, tanto em diagnóstico quanto em tratamento. Não fica nada a dever aos mais avançados centros do mundo. Entretanto grande parcela da população tem dificuldades de acesso até para atendimento básico.
Essa distorção fica clara quando se analisa a distribuição dos leitos hospitalares na cidade de 10 milhões de habitantes, dividida em 96 distritos. Em 25 distritos, onde vivem 18,5% da população, existem 13 leitos por mil habitantes. Os outros 71 distritos, que concentram 81,5% das pessoas, contam com apenas 0,6 leito por mil habitantes.
Essa brutal distorção, que dificulta o acesso da grande parcela da população, está no bojo da crise orçamentária que afeta o país nos três níveis de governo.
As áreas mais ricas da cidade concentram a população mais diferenciada, que consegue pagar -direta ou indiretamente, por vários tipos de sistemas de pré-pagamento- pela assistência prestada. Isso levou à construção, nos últimos 50 anos, de rede privada hospitalar e ambulatorial que concentra a maior parte do setor de alta tecnologia, tanto de diagnóstico como de tratamento.
Instituições privadas lucrativas e não-lucrativas, mantidas por pessoas ou coletividades descendentes de imigrantes, destinam-se, quase exclusivamente, à parcela da população que não utiliza o sistema público de saúde.
As áreas mais pobres da cidade dependem, basicamente, dos hospitais públicos e de poucos hospitais privados filantrópicos, que vivem em situação pré-falimentar. As perdas ao longo dos anos podem ser corretamente apreciadas quando se constata que os gastos federais com saúde, que em 89 representavam US$ 11,5 bilhões, reduziram-se, em 2002, para menos de US$ 10 bilhões. Enquanto isso, a população teve um acréscimo de quase 15 milhões de pessoas.
A expectativa de melhoria, pela aprovação em 2000 da emenda 29, que vincula recursos federais, estaduais e municipais, não pode ser frustrada pela destinação de recursos originalmente do Ministério da Saúde para programas de infra-estrutura ou de assistência social. É uma pena que isso ocorra quando uma equipe de profissionais da melhor qualificação, comprometidos historicamente com o sistema público de saúde, ocupa o ministério e luta para honrar compromissos penosamente conquistados e assumidos com a população.
Espero que a sensibilidade do presidente Lula e do seu ministro da Fazenda -que, aliás, é médico- não permita mais uma frustração, entre tantas já vividas pelo sistema público de saúde.


Adib Jatene, cardiologista, é diretor-geral do Hospital do Coração. Foi duas vezes ministro da Saúde e uma vez secretário da Saúde do Estado de São Paulo.


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