São Paulo, domingo, 29 de junho de 2008

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Copa 1958

Modelo de beleza e eficiência

Todas as pessoas deveriam assistir às partidas da seleção em 58 não para repetir o passado, mas para constatar que esses craques existiam

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Nunca imaginei ver, na íntegra, os dois últimos jogos do Brasil na Copa de 1958, contra França e Suécia. As duas vitórias foram por 5 a 2. Nem sabia que existiam esses filmes. Fiquei arrepiado ao ver Pelé antes de ser coroado Rei, Didi, o Príncipe Etíope, Nilton Santos, a Enciclopédia, Garrincha, o Charles Chaplin de chuteiras, e outros excepcionais jogadores.
Acompanhei os jogos do Mundial pelo rádio, em um bar próximo de minha casa. Tinha 11 anos. Após a conquista do título, percorri as ruas do bairro nos ombros de meu querido pai e ao lado de uma grande multidão. Não pensara que oito anos depois estaria ao lado de alguns desses craques.
Estavam juntos quatro dos maiores jogadores da história do futebol. Didi jogava com a cabeça em pé, sem olhar para a bola e com grande elegância. Cada passe com a parte externa do pé era uma obra de arte. Garrincha bailava em campo. Balançava o corpo, deixava o marcador paralisado e saía pela direita. Nilton Santos antevia o passe, antecipava e desarmava sem tocar no atacante.
Pelé raciocinava mais rápido que um megacomputador. Antes de a bola chegar a seus pés, calculava a velocidade dos companheiros, dos adversários, da bola e a relação do espaço com o tempo. Achava sempre o espaço mais curto para o gol. Com 17 anos, já executava no mais alto nível todos os fundamentos técnicos. Com o tempo, apenas ficou mais forte e descobriu novos truques e novas mágicas.
A grande diferença do futebol de 1958 para o de 1970, e desse para o atual, foi a ocupação progressiva dos espaços. Como os defensores marcavam muito atrás e os atacantes jogavam muito na frente, havia um grande espaço no meio-campo. Por isso, o ponta Zagallo se tornou um terceiro armador. Esses espaços diminuíram bastante na Copa de 1970 e muito mais ainda hoje.
Pelé tem razão quando diz que a seleção de 1958 tinha mais craques e a de 1970 era mais organizada taticamente. Com Pelé e Garrincha juntos, o Brasil nunca perdeu um jogo. A seleção de 1970, que uniu o talento individual com o coletivo, a arte com a ciência, fez a transição entre o futebol puro, intuitivo e espontâneo de 1958 para o de hoje, de muita marcação e velocidade. Pena que os técnicos hipertrofiaram a parte científica, tática, e valorizaram pouco a arte e a beleza do jogo.
Muitos falam que era mais fácil jogar no passado e questionam se os craques seriam hoje tão excepcionais. Mais bem preparados fisicamente, eles seriam ainda melhores. Havia mais espaço para o craque brilhar e também mais espaço para os medianos mostrarem suas limitações. O craque não se confundia com o medíocre.
Todos, treinadores e atletas, deveriam assistir a esses jogos de 1958, na íntegra, não para repetir o passado, mas para constatar que esses craques existiam e que não eram produto da imaginação de comentaristas saudosistas. Não dá para voltar atrás, porém dá para jogar um futebol mais bonito. Não basta vencer. Técnicos e jogadores têm compromisso também com o espetáculo.


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