|
Texto Anterior | Índice
pedras no caminho
Crescimento ofusca, mas não elimina miséria
Índia e China ainda terão de superar pobreza e enormes desafios antes de se tornarem superpotências, afirma economista indiano
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
O economista indiano Pranab Bardhan é uma das raras
vozes a não se empolgar com o
frenesi do crescimento de China e Índia. "É importante não
exagerar as conquistas desses
dois países. Há muitos obstáculos e armadilhas que eles terão
que enfrentar", diz.
Professor de Economia da
Universidade da Califórnia, em
Berkeley, desde 1977, suas
áreas preferidas de estudo são
desenvolvimento econômico e
comércio internacional. Bardhan estudou em Kolkata (a
antiga Calcutá) e é Ph.D em
Cambridge. Leia abaixo trechos da entrevista à Folha.
FOLHA - O senhor é um dos maiores críticos à idéia de que China e Índia caminham rapidamente para se
tornarem superpotências. Mas eles
não estão no caminho certo do crescimento e têm tamanho para tal?
PRANAB BARDHAN - Há muito a se
admirar nas mudanças desses
duas grandes economias, e o
Ocidente precisa aprender a
conviver com elas. Mas China e
Índia ainda são países paupérrimos. De seus 2,3 bilhões de
habitantes, quase 1,5 bilhão vive com menos de US$ 2 diários.
É certo que a redução da pobreza na China tem sido histórica,
mas ela ainda é enorme.
A badalação sobre a economia indiana parece prematura
e os riscos para a China são altamente subestimados.
FOLHA - Mas a economia de ambos
se modernizou em pouco tempo.
BARDHAN - Sim, mas precisamos ver a escala disso. Na China, menos de 20% da força de
trabalho está empregada em
manufaturas, mineração e
construção somadas. Quase
metade dela está na agricultura. Na Índia, são 60%.
Como milhões de camponeses serão absorvidos pelas duas
economias é uma questão bem
preocupante.
FOLHA - É prematuro colocar a Índia ao lado da China?
BARDHAN - O país está na direção correta em vários aspectos,
mas é cedo para dizer se será
um sucesso econômico. Há
problemas demais. Infra-estrutura, saúde, educação são piores que em muitos países pobres. Muito piores que na China ou no Brasil.
É importante não exagerar as
indubitáveis conquistas desses
dois países. Há muitos obstáculos e armadilhas que eles terão
que enfrentar no futuro próximo, antes que eles se tornem
atores significativos na cena
econômica internacional de
uma maneira sustentável.
FOLHA - É correta a percepção de
que na China o governo lidera o
crescimento e na Índia, atrapalha?
BARDHAN - O governo indiano
tem sido perturbador, bloqueia
várias coisas, mas também é
útil em outras. O boom do software é baseado em gente que se
formou nas faculdades de administração e tecnologia de
primeiro nível que são mantidas pelo governo.
FOLHA - E quanto à burocracia e
corrupção nos dois países?
BARDHAN - China e Índia têm
um legado de mão-pesada e burocracia regulatória corrupta.
Ainda assim, há diferenças.
Abrir um negócio na China leva
48 dias, enquanto na Índia leva
71. Registrar uma propriedade
requer 67 dias na Índia, enquanto na China leva 32.
FOLHA - Na Índia, as reformas econômicas não estão em ritmo muito
lento? O que aconteceu?
BARDHAN - As reformas na Índia têm sido hesitantes, marcadas por dois passos adiante e
outro atrás. Isso é usualmente
atribuído ao ritmo mais vagaroso de uma democracia. A construção febril de usinas e estradas na China passa por cima de
lugares habitados ou importantes ecologicamente, em relativo curto período de tempo. Na
Índia, processos similares atravessam longas negociações e
manifestações de massa.
As leis trabalhistas tornam
difícil a demissão de trabalhadores em grandes empresas,
mesmo quando eles são ineficientes ou há redução do mercado para algumas linhas de
produção. Isso desencoraja novas contratações. O efeito adverso disso está no nosso setor
têxtil, ultrapassado pelo sucesso recente da China, onde não
existem tais restrições.
FOLHA - A Índia recebe menos de
um décimo dos investimentos estrangeiros que a China e menos que
Brasil ou México. Ainda existem
muitas barreiras?
BARDHAN - O governo indiano e
o povo em geral não eram muito receptivos aos investimentos estrangeiros até bem recentemente. E investimentos estrangeiros, mesmo quando
bem-vindos pelo governo indiano, estão limitados pela débil infra-estrutura do país.
Estudo recente da KPMG estimou que uma fábrica pode sofrer 17 cortes de energia por
mês na Índia. Na China, são
cinco. O número de dias de embarque e desembarque no porto de Mumbai é várias vezes
maior que no de Xangai.
Um déficit fiscal de 10% do
PIB faz que seja bem difícil ao
governo indiano investir em infra-estrutura. Com grandes investimentos externos, déficit
fiscal menor e arrecadação de
impostos maior, o governo chinês pode investir em massa.
FOLHA - Por isso, o contraste entre
os dois vai continuar a ser enorme?
BARDHAN - Na China, os aeroportos que brilham de novos, os
modernos complexos industriais e as vias expressas com
várias pistas surpreendem os
visitantes no litoral ou nas
grandes cidades, mas não podem ser encontrados na Índia.
Há melhorias nas estradas,
nos portos ou nas telecomunicações. Mas em eletricidade,
trens e no saneamento básico,
ainda mantemos políticas populistas, que não permitem que
se cobre o que esses serviços
custam. A infra-estrutura limitada inibe investimentos.
FOLHA - A Índia tem se transformado em um centro de tecnologia e de
"outsourcing" para os países ricos.
Esse fenômeno pode se multiplicar?
BARDHAN - As hordas de engenheiros de software, operadores de call centers e programadores da Índia fazem a elite indiana ficar orgulhosa e são um
evento importante na economia. Mas todos os empregos
surgidos nesses setores não
chegam a 1 milhão. É 0,25% da
força de trabalho da Índia.
Mesmo que esse número venha a triplicar em dez anos, é
uma fagulha nas condições de
centenas de milhões de trabalhadores do país. A Índia é o
maior contribuinte em números absolutos na quantidade de
analfabetos do mundo.
FOLHA - Pelo que o senhor diz, a Índia está atrás da China em quase tudo. Mas é uma democracia. Isso não
faz uma grande diferença?
BARDHAN - Por isso, a China está muito atrás da Índia na habilidade de gerenciar conflitos.
Eu estava em Pequim no dia do
massacre na Praça da Paz Celestial. O tamanho das manifestações, e de gente desarmada,
era algo que se vê diariamente
na Índia, nas mais diferentes
regiões. O sistema político indiano foi capaz de dosar e conter a maioria dos grandes conflitos, desafiando muitas previsões de colapso do estado indiano ou de sua democracia.
FOLHA - Como será a transição chinesa rumo à democracia?
BARDHAN - É improvável que
seja tão suave. A preocupação
das autoridades em manter a
ordem e a estabilidade e o monopólio do partido provoca
uma reação exagerada às situações mais difíceis, às vezes com
conseqüências desastrosas.
Texto Anterior: Os desafios: Mais competitiva, China ameaça Brasil Índice
|