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São Paulo, terça-feira, 30 de setembro de 2003

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Desde Eva, 93, até Andréa, 28

CYNARA MENEZES
FREE LANCE PARA A FOLHA

A dona-de-casa Maria Thereza dos Santos Lima, 74, lembra como se fosse hoje do dia em que entrou numa loja de São Paulo para comprar a primeira calça comprida, um modelo de lã azul-marinho. "Foi nos anos 50, eu já tinha quatro anos de casada", conta, impressionada com o escândalo que isso ainda causava. "Minha sogra dizia: "Mulher que usa calça comprida não presta"."
Sua mãe, Eva Ribeiro dos Santos, 93, sente algo parecido agora. "As mulheres usam calça até para ir à missa", espanta-se. Igualzinho a Maria Thereza com a filha, Roseana de Lima, 47, durante os anos 70, no auge da minissaia: "Era um pedacinho de tecido de um palmo só!".
Com a moda como paradigma, tudo mudou na vida das mulheres brasileiras durante o século 20: passaram a votar, a estudar e a ter uma carreira própria, a controlar o número de filhos no Brasil.
Na família Lima foi assim: a matriarca Eva pariu nove e ainda criou os três do marido viúvo; sua filha Maria Thereza teve cinco; Roseana deu à luz três crianças; e Andréa de Lima Lucato, 28, casada há quatro anos, ainda não teve nenhum, resistindo aos apelos de Roseana para fazer Eva virar logo tataravó.
Como no Brasil, na escolaridade a curva é inversa. Enquanto a bisa só lê e escreve, sua filha Maria Thereza concluiu o primeiro grau, Roseana chegou a cursar educação física (que abandonou por causa das crianças) e Andréa faz faculdade de história.
Filha de lavradores, Eva não trabalhou fora. "Antes as mulheres não davam um passo sem o marido. Hoje são muito mais espertas, mandam nos homens", provoca.
Roseana, aos 18, acabou casando grávida. "Lá em casa, sexo não era assunto proibido: não era assunto", conta. Na época de Maria Thereza era pior. Quando as radionovelas transmitiam as passagens românticas, chegava a sair da sala por vergonha do pai. E revela: "Nunca beijei em público".
Já Andréa podia, aos 16, até dormir na casa do namorado. Com o marido, experimenta uma relação bem diferente da que tinha a bisavó com o seu. "Saio sozinha para dançar, trabalho à noite e isso não é um problema."
Um aspecto une as gerações: necessário, o divórcio não é algo a ser comemorado. "No meu tempo, fosse o marido ruim ou bom, tinha que aguentar para sempre. Mas hoje tem gente que, por qualquer razão, separa", lamenta dona Eva. A bisneta concorda. "A liberdade de se separar é boa, mas as pessoas passaram a não ter disposição de vencer os desafios dentro do casamento."
A tal independência também tem suas desvantagens. Roseana, a primeira mulher da família a se divorciar, admite: "Jamais viveria sendo submissa a um homem por ser dependente dele, mas às vezes bate a falta de um colinho...".


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