São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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Maldição do segundo mandato traz isolamento e mais escândalos

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Aliados debandam e projetos empacam no Congresso. Escândalos vêm à tona e discípulos se engalfinham para ver quem é o sucessor. E a popularidade diminui - só a experiência não encolhe para muitos presidentes após a reeleição.
Lula deve se preparar para a "maldição do segundo mandato". "Nos EUA e na América Latina, há poucos casos de segundos mandatos que tiveram melhores resultados que os primeiros", diz Michael Shifter, professor de Relações Internacionais da Universidade Georgetown.
Fernando Henrique Cardoso deixou a Presidência com apenas 26% do eleitorado considerando seu governo ótimo ou bom, segundo pesquisa do Datafolha. Não conseguiu transformar seu candidato em sucessor. Carlos Menem, na Argentina, deixou a presidência sob grave recessão e com dezenas de casos de corrupção salpicando sua equipe.
O americano Richard Nixon teve que renunciar sob o escândalo Watergate, assim como o boliviano Gonzalo Sánchez de Losada, que fugiu do país.
Nos EUA, onde desde o primeiro presidente, George Washington, há reeleição, líderes com final melancólico são chamados de "lame duck" - pato manco, presa fácil dos caçadores. Dos 20 presidentes do país que tiveram um segundo mandato, a maioria terminou mal.

Sucessão e sobrevivência
"Presidente que todo mundo sabe que voltará logo para casa deixa de ser o pólo de articulação política e dispara a corrida pela sucessão", explica o historiador Juan Carlos Torres, da Universidade Torcuato di Tella, de Buenos Aires. "Muitos aliados começam a procurar outro a quem confiar o futuro."
O presidente George W. Bush, reeleito há menos de dois anos, teve a maioria de seus projetos do segundo mandato derrotados no Congresso (de maioria republicana).
O enfraquecimento do presidente produz a "agenda travada". "Os objetivos mais fáceis de qualquer gestão são normalmente obtidos no primeiro mandato. A agenda mais difícil ou impopular costuma ser empurrada para depois da sonhada reeleição", conta o professor de Ciência Política da Universidade da Califórnia-Berkeley, David Karol.
"O problema é que, com menos apoio no Congresso, fica difícil aprovar qualquer projeto novo e as promessas não são cumpridas." Com menos para mostrar, a decepção aumenta. E, no segundo mandato, não dá para culpar a "herança maldita", que todo presidente achaca no início de seu governo.
Escândalos costumam provocar mais estragos no segundo governo. "Leva tempo para descobrir. Watergate, Irã-Contras e Monica Lewinsky são episódios dos primeiros mandatos de Nixon, Reagan e Clinton, que só estouraram no segundo", lembra Karol.
"Além disso, o poder corrompe e muitos membros do governo ficam "confortáveis" demais em um segundo mandato", diz.

Exceções à maldição
Há exceções que escaparam à maldição. O americano Ronald Reagan manteve a popularidade e conseguiu eleger o sucessor, seu então vice-presidente George Bush (pai).
Apesar de um quase impeachment e de ter a vida sexual devassada no segundo mandato, Bill Clinton permaneceu popular. Não elegeu seu candidato, Al Gore, mas terminou o mandato com 65% de aprovação, recorde em 40 anos.
Para o professor Torre, "a maldição independe do segundo mandato. Quando não havia reeleição, as coisas complicavam a partir do terceiro ano".
Se o presidente conseguir manter a qualidade da gestão e a popularidade, o final será menos melancólico. Um antídoto é que ele consiga impor um aliado fiel como candidato.
Em seu diário, o pintor surrealista espanhol Salvador Dalí dizia que preferia a monarquia "porque resolve o maior problema da política, a sucessão".


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