São Paulo, quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

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Isso deu o que pensar

Brasileirão com pontos corridos, mercado direcionado à classe C, pesquisas com células-tronco e outras ideias e modas da década

CINEMA FAVELA

Por Inácio Araujo
Crítico da Folha

Ao longo do tempo, o cinema tem representado a favela como lugar de vício e virtude, criação cultural sofisticada e malandragem, crime e honestidade. Com maior ou menor profundidade, conforme o filme, esses aspectos dão conta de uma sociedade que sonhou em criar uma espécie de lugar à margem para seus pobres.
A questão não é pequena, remete à péssima distribuição da renda nacional, à incapacidade de governança da elite, à inventividade que, apesar de tudo, esses pobres demonstraram e impuseram na forma de música.
Todos esses aspectos aparecem nos filmes brasileiros desde pelo menos 1932, quando Octavio Gabus Mendes realizou "Mulher". Humberto Mauro subiria o morro, literalmente, poucos anos depois, para filmar o hoje perdido "Favela dos Meus Amores".
A tensão morro/cidade, sempre crescente, ressurge com força na bela chanchada "Depois Eu Conto" (1956), de José Carlos Burle, onde uma boate aberta na favela se torna a coqueluche de todo o Rio.
Com a chegada do cinema novo, a abordagem dos aspectos sociais e culturais na favela se acentua. Mas nesse momento o samba já havia chegado ao asfalto e fazia sucesso em shows como Opinião ou Rosas de Ouro.
O negro, sua favela e suas músicas pareciam enfim vislumbrar ao menos uma integração simbólica nessa sociedade tremendamente desigual. Com o tempo, porém, esse sonho desgastou-se por excesso de uso, de idealização e vitimização do favelado.
O que muda tudo e leva a uma nova tematização da favela, na virada do século 21, é a emergência da droga e o domínio brutal exercido pelo crime organizado. São vários os trabalhos que se esforçam por colocar em relevo as pessoas de bem e as atitudes criativas que tomam em circunstâncias adversas, caso de "Uma Onda no Ar" (2002), que trata da criação de uma rádio pirata em Belo Horizonte.
Mas quem estourou, no mesmo ano, foi "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, que narra a história de dois meninos, um que consegue se safar do crime , outro que entra de cabeça nele.
Quem, no entanto, parece ter pego na veia a questão da favela tal como se formula hoje foi José Padilha, com os dois "Tropa de Elite".
Pode-se discutir ao infinito os filmes sobre a ação do Bope e seu capitão Nascimento. Com eles, o morro não é mais caso de cultura ou distribuição de renda. O problema central é de polícia e de corrupção (corupção policial sobretudo).
"Tropa de Elite" faz tudo voltar ao começo: a questão da favela não é bem a favela, mas o fato de a sociedade ter acreditado, o quanto pôde, que deixando os seus pobres à margem evitaria o contágio da boa sociedade com a outra.


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