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Quase 100% das grandes investem no social
Aumentou o volume de "empresas engajadas" no país, mas ações não suprem carência de políticas públicas
RENATO ESSENFELDER
EDITOR-ASSISTENTE DE SUPLEMENTOS
ESTANISLAU DE FREITAS
RAQUEL BOCATO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O termo "responsabilidade social" começou a se disseminar no
Brasil na década passada. De início, soava como uma prática inusitada: empresas investindo em
ações sem fins lucrativos.
Depois virou moda e começaram a surgir departamentos
de responsabilidade social den-
tro das grandes corporações.
Hoje, é lugar-comum: 96% das
companhias com mais de 500
empregados adotaram a idéia.
No Brasil inteiro, mais de 70%
das firmas dedicam parte de seu
tempo -e dinheiro- para atividades sociais. No caso, a tradicional divisão entre regiões ricas e regiões pobres não é refletida por
esses investimentos. No Nordeste,
o "engajamento" das empresas
cresceu 35% em quatro anos, passando de 55%, em 1999, para 74%
em 2003. No Sudeste, esse incremento foi mais discreto (6%),
passando de 67% para 71% no
mesmo período. Em Minas Gerais, o índice chegou a 81%.
Os dados são de pesquisa do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) ainda em fase
de conclusão. Segundo o órgão, as
empresas investem R$ 4,7 bilhões
por ano em ações comunitárias.
À primeira vista, o montante
impressiona, mas, na realidade,
equivale a só 0,43% do PIB -Produto Interno Bruto, a soma de todas as riquezas produzidas no
país- nacional, menos do que a
verba consumida pelo maior programa social do governo, o Bolsa-Família, em 2004 (R$ 5,9 bilhões).
Agenda do milênio
A ação dessas empresas tem
sido vista pelo poder público
como uma espécie de laboratório
para descobrir o que funciona
e o que não funciona em termos
de combate à pobreza.
A experiência pode ser útil para
ajudar o país a cumprir a agenda
do milênio proposta pela ONU
(Organização das Nações Unidas)
em 2000. A entidade traçou oito
objetivos -erradicar a fome e a
extrema pobreza; universalizar o
ensino básico; promover a igualdade de gêneros; conter a mortalidade infantil e materna; tratar
doenças; preservar o ambiente e
estabelecer um pacto mundial para o desenvolvimento- que devem ser atingidos até 2015.
189 países, entre eles o Brasil,
endossaram o documento. "Não
há sanção caso um país não atinja
a meta estipulada. Os Objetivos
de Desenvolvimento do Milênio
funcionam como um mecanismo
de pressão", explica Carlos Lopes,
representante da ONU no Brasil.
Na avaliação do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva, o país "cumprirá a maioria das metas". No
meio do caminho entre os países
muito pobres e os muito ricos, o
Brasil vai bem em alguns quesitos,
como universalizar o ensino, promover a autonomia das mulheres
e combater doenças como malária e Aids.
Vai mal, porém, em outros, como erradicar a miséria, diminuir
a mortalidade materna e proteger
o ambiente.
O papel de cada um
Entre as áreas mais assistidas
pelas empresas que auxiliam o Estado a cumprir seu papel, destaca-se a de educação. "Olhando os desafios dos Objetivos do Milênio,
observamos que educação é a
chave para o sucesso", afirma Fernando Rossetti, 43, diretor-executivo do Gife (Grupo de Institutos,
Fundações e Empresas), que reúne 77 afiliados de grande porte.
O censo Gife-2004 mostra que
87% dos associados investem em
projetos educacionais; 54%, em
cultura e artes; 48%, em desenvolvimento comunitário; e 43%, em
assistência social, entre outros.
Mas esse apoio não significa a
solução de mazelas. Na ponta do
processo, os beneficiados queixam-se do "oportunismo" de
ONGs (Organizações Não-Governamentais) que captam dinheiro
no mercado e chegam às comunidades com "projetos fechados".
"Não conhecem a cultura do local, não sabem do que mais precisamos. Em pouco tempo, abandonam suas atividades", resume
o secretário da Unas (União Núcleo Associação e Sociedade de
Heliópolis e São João Clímaco),
José Geraldo de Paula Pinto, 40.
Ele cobra a atribuição de "poderes aos pobres" para decidir que
ações são necessárias e como devem ser geridas. Sempre, frisa,
com apoio do poder público.
Como iniciativas positivas, que
respeitam esse princípio, ele cita
os projetos de Unilever (focado
nas mulheres), Instituto General
Motors (para jovens) e Suvinil
(pintura de fachadas) na favela.
O presidente do Instituto Ethos
de Empresas e Responsabilidade
Social, que reúne 991 associadas,
Oded Grajew, 60, concorda com a
preocupação de José Geraldo.
"Em nenhum lugar do mundo o
investimento de empresas ou
ONGs resolve a situação. Políticas
públicas são as únicas capazes de
universalizar o atendimento, ter
escala e promover justiça social."
"É uma bobagem imaginar que
o Estado possa repassar suas obrigações para a iniciativa privada.
Mas R$ 4,7 bilhões não são irrelevantes", rebate a socióloga Anna
Maria Peliano, 57, diretora de estudos sociais do Ipea.
Do lado dos gestores, ela lembra
que "só dinheiro não resolve o
problema". "Responsabilidade
social é mais que ação social. Está
ligada à atitude ética e transparente da empresa com seus diversos
públicos", conclui.
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