São Paulo, Sábado, 12 de Junho de 1999
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MEC X UNE

Conheça as posições dos dois lados do exame

da Reportagem Local

especial para a Folha

Quatro anos depois de ter sido criado, o Exame Nacional de Cursos ainda não é um consenso entre as duas principais partes envolvidas na avaliação: o Ministério da Educação e os estudantes, representados pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Enquanto para o ministro Paulo Renato Souza (Educação) o exame está colaborando para a elevação da qualidade do ensino superior no Brasil -apesar das limitações que ele admite existir-, Ricardo Cappelli, presidente da UNE, vê poucos efeitos práticos da avaliação, a qual encara como um "exercício de marketing" do governo.
Eles foram ouvidos separadamente, mas responderam às mesmas perguntas. A Folha publica, abaixo, suas respostas lado a lado para que seus pontos de vista possam ser comparados. (MARTA AVANCINI e GUSTAVO ABREU)

PAPEL DO PROVÃO

Paulo Renato Souza: O provão não deve ser tomado em si, mas como parte do processo de avaliação. Sempre insisti nessa realidade, desde que o exame foi criado. Ele faz parte de um processo e tem de ser entendido junto com as avaliações feitas pelas comissões de especialistas e com as informações que já existem no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão ligado ao MEC) sobre o ensino superior.
É um conjunto de informações relevante para estabelecer uma política para o ensino superior no que diz respeito ao credenciamento e recredenciamento de cursos. Antes desse sistema de avaliação ser criado, não existiam referências, informações que pudessem ser comparadas. O exame tem significado na montagem de um processo que permite conhecer melhor o ensino superior.
Ricardo Cappelli: Por mais que o ministro diga que existem outras formas de avaliação, é incontestável que o MEC elegeu como grande parâmetro da qualidade do ensino superior brasileiro a nota do provão. É tudo um grande marketing cujo produto principal é o provão, assim a população toma o exame como única forma de avaliação. Mas, enquanto processo de avaliação, o provão é ridículo. Então, o que vale para a sociedade como referencial se chama provão.

LIMITES DO EXAME

Souza: É preciso pensar a avaliação do ensino superior brasileiro dentro de uma relação custo-benefício. Se fosse possível fazer uma avaliação detalhada, certamente teríamos uma radiografia mais precisa de todo o sistema. Seria possível comparar as vocações de instituições de perfis distintos e localizadas em diferentes regiões do país. As diferenças existem, e sabemos disso. Mas tenho dúvidas de que os benefícios obtidos por uma avaliação mais detalhada compensariam o aumento dos custos. O que o exame dá é uma fotografia do sistema no momento em que é feito com um bom grau de acerto por um custo relativamente baixo. Ele permite uma visão de conjunto do sistema.
Um dos efeitos que já estamos tendo por meio do sistema de avaliação é o processo de renovação de reconhecimento dos cursos. O provão, somado às visitas das comissões de especialistas às instituições, permitiram chegar a uma lista de 101 cursos de direito, administração e engenharia civil que merecem uma atenção especial. Nenhum curso vai perder o reconhecimento apenas pelo desempenho no provão. Vamos enviar comissões de especialistas que vão fazer uma avaliação detalhada para saber se os cursos precisam melhorar, em que ou se já fizeram mudanças necessárias.
Cappelli: Outra contradição absurda: em último caso, o responsável pela qualidade do ensino público superior no país se chama Paulo Renato. A vinculação orçamentária e o nível de investimentos nas universidades são definidos pelo MEC. Se existe má qualidade de ensino, o problema, em última instância, é do MEC. E isso vai aparecer no provão. Em vez de investir mais para melhorar, o MEC argumenta que vai descredenciar e fechar.
O governo que aponta o Enem como uma avaliação seriada, nos três períodos, que é menos cruel que uma prova, só para medir o nível de conhecimento do aluno, é o mesmo governo que implementa o provão. O mesmo governo que quer acabar com o vestibular de entrada é o governo que cria o vestibular de saída. Isso já é uma contradição brutal na política de ensino do governo.

IMPACTO SOBRE OS CURSOS

Souza - O provão trouxe outro benefício que é interno aos cursos. Ele teve um impacto que não está restrito ao plano burocrático. Ele mexeu com a vida das instituições que começaram a ficar preocupadas em melhorar. Isso é muito positivo.
Cappelli: Pensava-se que iriam ser criados cursinhos preparatórios para o provão. Mas ocorreu um fato mais grave: foram as universidades que se transformaram em cursinhos. Isso é um crime porque a faculdade deve ser mais do que preparação só para uma prova.

DIVERSIDADE

Souza: O ensino superior brasileiro é muito heterogêneo. Esse é um problema que existe porque as disparidades regionais são muito grandes. Um dos objetivos do provão e das outras avaliações é reduzir essas diferenças, criando um patamar mínimo de qualidade mais elevado do que o que existe atualmente e que seja comum aos cursos e independentemente da região onde ele esteja.
Cappelli: Essa avaliação deve considerar as diversidades regionais e também a vocação de cada universidade. Quer dizer, não dá para querer que um curso na Bahia tenha o mesmo perfil que seu similar no Rio Grande do Sul. Você tem que avaliar o histórico de cada instituição, senão fica uma avaliação cruel. Não dá para querer comparar uma USP que tem um nível elevado de recursos, com a Universidade Federal do Acre, que às vezes recebe, às vezes não. É preciso levar em conta a constância e a suficiência dos investimentos. É um conjunto muito complexo. Você não pode querer tratar de maneira igual, e insuficiente, o que é diferente. Quando se faz isso, o resultado é uma avaliação medíocre que não reproduz a realidade.

DIPLOMA

Souza: Pessoalmente, eu sou a favor de que a nota do aluno seja divulgada. Isso estava previsto no projeto original da lei que criou o provão. Mas, durante a negociação no Congresso para a aprovação da lei que criou o exame, a proposta foi retirada da lei. Se o resultado individual do aluno fosse divulgado em um documento público, ele ficaria mais estimulado a se dedicar mais ao exame. Mas não quero mudar isso agora. Acho que o provão precisa se consolidar melhor antes de fazer uma alteração desse tipo.
Cappelli: Isso é um absurdo. O MEC está querendo transformar o aluno em bode-expiatório da condição do ensino no país. E você ainda corre o risco de criar categorias diferentes de profissionais. Vai ter o engenheiro nota A e o nota E, de primeira à quinta categoria. Você vai estratificar o mercado de trabalho brasileiro.

CRIAÇÃO DE UM RANKING

Souza: O provão não cria um ranking. Ele é apenas um indicador porque dá a posição relativa de cada instituição em um determinado ano. Como o exame é muito dinâmico, tem características diferentes a cada ano, não é possível comparar um ano com o outro. Também não é possível comparar um curso com outro porque as provas são específicas. É diferente do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), que é feito a partir de um material homogêneo. A divisão dos cursos por faixa de conceito -12% ficam com A, 18% com B, 40% com C, 18% com D e 12% com E- é um problema relativamente complicado, mas que não tem muita solução. Mesmo no futuro, se todos os cursos de uma área forem excelentes vamos ter cursos A, B, C e assim por diante. Mas ele dá a posição relativa de um curso em relação a outro, que é um dos objetivos.
Cappelli: A avaliação do provão não tem padrão definido. Ela é comparativa, segundo a normal de Gauss (fórmula matemática). Haverá sempre cerca de 12% das faculdades com conceito máximo e os mesmos 12% com a nota mínima. O grosso fica no meio, com 40% de notas C.
Isso é outro absurdo. Comparando um curso muito ruim com um péssimo o primeiro fica com nota A. O pior é que a população não sabe disso. Todo mundo acha que o A é ótimo e pronto. Mas pode não ser assim.


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