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MEC X UNE
Conheça as posições dos dois lados do exame
da Reportagem Local
especial para a Folha
Quatro anos depois de ter sido
criado, o Exame Nacional de Cursos ainda não é um consenso entre
as duas principais partes envolvidas na avaliação: o Ministério da
Educação e os estudantes, representados pela UNE (União Nacional dos Estudantes). Enquanto para o ministro Paulo Renato Souza
(Educação) o exame está colaborando para a elevação da qualidade
do ensino superior no Brasil
-apesar das limitações que ele admite existir-, Ricardo Cappelli, presidente da UNE, vê
poucos efeitos práticos da avaliação, a
qual encara como
um "exercício de
marketing" do governo.
Eles foram ouvidos separadamente, mas responderam às mesmas
perguntas. A Folha
publica, abaixo,
suas respostas lado
a lado para que seus
pontos de vista possam ser comparados. (MARTA AVANCINI e GUSTAVO ABREU)
PAPEL DO PROVÃO
Paulo Renato
Souza: O provão
não deve ser tomado em si, mas como
parte do processo
de avaliação. Sempre insisti nessa
realidade, desde
que o exame foi
criado. Ele faz parte
de um processo e
tem de ser entendido junto com as
avaliações feitas pelas comissões de especialistas e com as
informações que já existem no
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, órgão ligado ao MEC) sobre o ensino
superior.
É um conjunto de informações
relevante para estabelecer uma política para o ensino superior no
que diz respeito ao credenciamento e recredenciamento de cursos.
Antes desse sistema de avaliação
ser criado, não existiam referências, informações que pudessem
ser comparadas. O exame tem significado na montagem de um processo que permite conhecer melhor o ensino superior.
Ricardo Cappelli: Por mais que
o ministro diga que existem outras
formas de avaliação, é incontestável que o MEC elegeu como grande
parâmetro da qualidade do ensino
superior brasileiro a nota do provão. É tudo um grande marketing
cujo produto principal é o provão,
assim a população toma o exame
como única forma de avaliação.
Mas, enquanto processo de avaliação, o provão é ridículo. Então, o
que vale para a sociedade como referencial se chama provão.
LIMITES DO EXAME
Souza: É preciso pensar a avaliação do ensino superior brasileiro
dentro de uma relação custo-benefício. Se fosse possível fazer uma
avaliação detalhada, certamente
teríamos uma radiografia mais
precisa de todo o sistema. Seria
possível comparar as vocações de
instituições de perfis distintos e localizadas em diferentes regiões do
país. As diferenças existem, e sabemos disso. Mas tenho dúvidas de
que os benefícios obtidos por uma
avaliação mais detalhada compensariam o aumento dos custos. O
que o exame dá é uma fotografia
do sistema no momento em que é
feito com um bom grau de acerto
por um custo relativamente baixo.
Ele permite uma visão de conjunto
do sistema.
Um dos efeitos que já estamos
tendo por meio do
sistema de avaliação é o processo de
renovação de reconhecimento dos
cursos. O provão,
somado às visitas
das comissões de
especialistas às instituições, permitiram chegar a uma
lista de 101 cursos
de direito, administração e engenharia
civil que merecem
uma atenção especial. Nenhum curso
vai perder o reconhecimento apenas
pelo desempenho
no provão. Vamos
enviar comissões
de especialistas que
vão fazer uma avaliação detalhada
para saber se os
cursos precisam
melhorar, em que
ou se já fizeram
mudanças necessárias.
Cappelli: Outra
contradição absurda: em último caso,
o responsável pela
qualidade do ensino público superior
no país se chama
Paulo Renato. A
vinculação orçamentária e o nível
de investimentos
nas universidades
são definidos pelo MEC. Se existe
má qualidade de ensino, o problema, em última instância, é do
MEC. E isso vai aparecer no provão. Em vez de investir mais para
melhorar, o MEC argumenta que
vai descredenciar e fechar.
O governo que aponta o Enem
como uma avaliação seriada, nos
três períodos, que é menos cruel
que uma prova, só para medir o nível de conhecimento do aluno, é o
mesmo governo que implementa o
provão. O mesmo governo que
quer acabar com o vestibular de
entrada é o governo que cria o vestibular de saída. Isso já é uma contradição brutal na política de ensino do governo.
IMPACTO SOBRE OS CURSOS
Souza - O provão trouxe outro
benefício que é interno aos cursos.
Ele teve um impacto que não está
restrito ao plano burocrático. Ele
mexeu com a vida das instituições
que começaram a ficar preocupadas em melhorar. Isso é muito positivo.
Cappelli: Pensava-se que iriam ser
criados cursinhos
preparatórios para
o provão. Mas ocorreu um fato mais
grave: foram as universidades que se
transformaram em
cursinhos. Isso é
um crime porque a
faculdade deve ser
mais do que preparação só para uma
prova.
DIVERSIDADE
Souza: O ensino
superior brasileiro
é muito heterogêneo. Esse é um problema que existe
porque as disparidades regionais são
muito grandes. Um
dos objetivos do
provão e das outras
avaliações é reduzir
essas diferenças,
criando um patamar mínimo de
qualidade mais elevado do que o que
existe atualmente e
que seja comum aos
cursos e independentemente da região onde ele esteja.
Cappelli: Essa
avaliação deve considerar as diversidades regionais e
também a vocação
de cada universidade. Quer dizer,
não dá para querer que um curso
na Bahia tenha o mesmo perfil que
seu similar no Rio Grande do Sul.
Você tem que avaliar o histórico de
cada instituição, senão fica uma
avaliação cruel. Não dá para querer comparar uma USP que tem
um nível elevado de recursos, com
a Universidade Federal do Acre,
que às vezes recebe, às vezes não. É
preciso levar em conta a constância e a suficiência dos investimentos. É um conjunto muito complexo. Você não pode querer tratar de
maneira igual, e insuficiente, o que
é diferente. Quando se faz isso, o
resultado é uma avaliação medíocre que não reproduz a realidade.
DIPLOMA
Souza: Pessoalmente, eu sou a
favor de que a nota do aluno seja
divulgada. Isso estava previsto no
projeto original da lei que criou o
provão. Mas, durante a negociação
no Congresso para a aprovação da
lei que criou o exame, a proposta
foi retirada da lei. Se o resultado
individual do aluno fosse divulgado em um documento público, ele
ficaria mais estimulado a se dedicar mais ao exame. Mas não quero
mudar isso agora. Acho que o provão precisa se consolidar melhor
antes de fazer uma alteração desse
tipo.
Cappelli: Isso é um absurdo. O
MEC está querendo transformar o
aluno em bode-expiatório da condição do ensino no país. E você
ainda corre o risco de criar categorias diferentes de profissionais.
Vai ter o engenheiro nota A e o nota E, de primeira à quinta categoria. Você vai estratificar o mercado
de trabalho brasileiro.
CRIAÇÃO DE UM RANKING
Souza: O provão não cria um
ranking. Ele é apenas um indicador porque dá a posição relativa de
cada instituição em um determinado ano. Como o exame é muito
dinâmico, tem características diferentes a cada ano,
não é possível comparar um ano com
o outro. Também
não é possível comparar um curso
com outro porque
as provas são específicas. É diferente
do Saeb (Sistema
de Avaliação do
Ensino Básico),
que é feito a partir
de um material homogêneo. A divisão dos cursos por
faixa de conceito
-12% ficam com
A, 18% com B, 40%
com C, 18% com D
e 12% com E- é
um problema relativamente complicado, mas que não
tem muita solução.
Mesmo no futuro,
se todos os cursos
de uma área forem
excelentes vamos
ter cursos A, B, C e
assim por diante.
Mas ele dá a posição relativa de um
curso em relação a
outro, que é um dos
objetivos.
Cappelli: A avaliação do provão
não tem padrão definido. Ela é comparativa, segundo a
normal de Gauss
(fórmula matemática). Haverá sempre cerca de 12%
das faculdades com conceito máximo e os mesmos 12% com a nota
mínima. O grosso fica no meio,
com 40% de notas C.
Isso é outro absurdo. Comparando um curso muito ruim com um
péssimo o primeiro fica com nota
A. O pior é que a população não sabe disso. Todo mundo acha que o
A é ótimo e pronto. Mas pode não
ser assim.
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