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Agora sou fã

Neymar, o pai, fala à Folha de acidente que quase matou o craque santista, da fama e do orgulho do filho

LEONARDO LOURENÇO
enviado especial a nagoya

Sentado num sofá em um dos cantos de seu escritório na avenida Ana Costa, em Santos, Neymar, o pai, 46, fala sobre Neymar, o filho, 19.

"Eu era muito só o pai dele. Agora sou um fã", diz Neymar da Silva Santos, sem o Júnior que completa o nome do filho que desfila talento no Santos e monopoliza as atenções no futebol nacional.

A declaração é logo seguida pela primeira pontada de ressentimento com as críticas feitas a Neymar, o Juninho da casa dos Silva Santos.

"Estou para ver um cara verdadeiro como ele, que só quer jogar bola e ser feliz, e todo mundo tentando achar defeito", afirma o pai.

"Acha que não existe uma vontade de xingar muita gente que te ferrou e agora bate nas costas?", indaga Neymar, em entrevista à Folha, concedida antes de o time santista viajar para o Japão, onde, na próxima quarta-feira, estreia no Mundial de Clubes.

"Vamos voltar um ano, no caso Dorival Jr. [quando o técnico foi demitido após desentendimento com o atacante]. Todo mundo metendo a lenha nele. Agora todo mundo acha ele o rei do futebol. Eu era o pior pai do mundo e agora sou exemplo."

ACIDENTE

Por pouco essa trajetória, que nessa semana culminará com a participação de Neymar no Mundial, não acabou antes mesmo de o hoje badalado atacante santista dar os seus primeiros passos.

"Nós sofremos um acidente de carro. O Neymar tinha quatro meses", lembra Santos. "Aconteceu em 1992, nós estávamos voltando de Mogi das Cruzes. Foi bastante grave", conta. "O Neymar sumiu dentro do carro."

"Eu não conseguia me mexer. Quando fui resgatado, eu e minha esposa só gritávamos 'meu filho, meu filho'. Nos tiraram, mas a gente ficou gritando que o neném ainda estava lá. Quando conseguiram tirar o Neymar, ele estava lavado de sangue. Naquele momento, eu pedi para Deus me levar, eu estava incapaz de fazer qualquer coisa."

A cena, a princípio assustadora, tornou-se tranquilizadora pouco tempo depois, quando Santos percebeu que o filho sofrera apenas um pequeno corte na cabeça.

"Foi um vidro que o acertou e melou o Neymar inteirinho [de sangue]. Foi um momento muito difícil."

As lesões provocadas pelo acidente ajudaram a encurtar a carreira de Santos como jogador de futebol. Vagando por times de pequeno porte, decidiu parar em 1997, aos 32 anos, no Operário-MT.

DORIVAL

Cerca de 18 anos depois de ver o filho se salvar daquele acidente de carro, Santos voltou a presenciar outro "momento difícil", em suas palavras, na vida da maior esperança do Santos na conquista do tricampeonato mundial.

Após bater boca com o atleta dentro de campo, o então técnico santista, Dorival Jr., decidiu barrar o camisa 11 na véspera de um clássico com o Corinthians pelo Brasileiro.

A atitude irritou a diretoria, que demitiu o treinador que montou o elogiado time de 2010, campeão do Paulista e da Copa do Brasil.

"Foi um dos maiores desafios. Nós sabíamos que o Neymar tinha errado. Nós pedíamos pelo amor de Deus para deixá-lo fora [do clássico]. Ele ia ser o culpado pela saída do Dorival", relembra o pai do atacante santista.

"No meio da noite, ligaram para o Neymar ir para a concentração, para ele jogar contra o Corinthians. Eu falei que ele não ia, que ele se apresentaria no dia seguinte, como planejado. E eles podiam fazer o que eles quisessem, o Neymar é um funcionário."

A negativa não bastou para que a noite se encerrasse. "Isso era de madrugada, a gente tinha chorado muito. Eu o acordei novamente, e ficamos conversando até as 6h. Eu disse: 'Você vai jogar. Só vou te pedir uma coisa'", lembra Santos. "Cara, se possível, não se mexe, fica dentro de campo, em 15 minutos o treinador já te tira. Vamos começar tudo de novo. Quero que você entre calado e saia mudo. Mas, dentro de campo, faz o que você quiser."

Apesar de toda a pressão, Neymar foi a campo e se saiu bem. Marcou um gol do Santos na derrota por 3 a 2.

"Eu o vi entrar numa situação muito difícil, mas parecia que ele tinha um dispositivo que ele desligava e que o mundo dele, o campo, era mais importante", afirma.

"Quando ele voltou para casa, tive orgulho de dizer que achamos o caminho. O Neymar amadureceu."

ESTRUTURA

Para que o filho possa se concentrar apenas em jogar futebol, Santos montou uma estrutura com 15 funcionários que cuidam de todas as coisas relacionadas a Neymar.

"Para deixá-lo vazio, só preocupado com a bola, tem gente que trabalha 24 horas", conta o pai do jogador, que se dedica inteiramente à carreira da estrela santista.

Algo que só foi possível porque Neymar, desde pequeno, já colaborava com as receitas da família. Os bons salários nas categorias de base permitiram que Santos deixasse o emprego na CET (Companhia de Engenharia de Tráfego) de Santos.

"Todos os negócios que envolvem o Neymar eu fui aprender. Quando vi que ele ia ser jogador, entrei na faculdade de educação física para ajudar também na parte fisiológica. Tem esse cara em quem ele confia, que é o pai dele, e eu decidi aprender algumas coisas para dar apoio", afirma Santos.

"O Neymar parece ter 27 anos no gramado. Mas ele é um cara de 19 anos. Aí tem hora que a gente pensa: 'Vamos segurar a onda, que é um cara de 19 anos'."

ASSÉDIO

Neymar se tornou, em dois anos, um astro. "É legal ser famoso. Tem hora que não dá para atender [os fãs], mas quando dá, tem que atender."

Recentemente, foi alvo de paparazzi durante um passeio de barco no Guarujá.

O santista foi fotografado ao lado de uma modelo que, na imprensa de celebridades, foi apontada como o novo "affair" do atleta.

Irritado, ele negou envolvimento com a mulher. "O cara aprende. Ficou chateado, mas acontece. Ele não fez nada de errado. É duro falar de coisas que são praticamente armadas", critica Santos.

"Mas esse é o preço. Eu nasceria de novo para pagar esse preço", completa.

IMPRENSA

Cerca de um mês depois do anúncio de que Neymar ficará no Santos até a Copa de 2014, seu pai ainda regurgita críticas à atuação da imprensa durante a série de investidas de Real Madrid e Barcelona para contratar o filho.

"O Neymar foi vendido uma pancada de vezes. Ele tem contrato com o Real, com o Barcelona, e ele dizendo: 'Não, sou jogador do Santos'. Aí os caras arrumam: 'Eles já têm contrato para depois da Copa'. Você acha que faço Real e Barcelona esperarem?"

"Jornalista escreve o que quiser, como quiser", afirma.

Ele diz não guardar rancor, entretanto. "Não tenho por que ser sentido. Todo cara sonha em ter um filho, e esse filho ele quer que seja jogador. Eu tenho um filho, e ele é jogador. Graças a Deus, de sucesso. O que você acha que eu vou fazer no campo? Vou ver meu time jogar, com o meu filho lá dentro."

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