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Rita Siza

Falta de personalidade

O desinteresse de mídia, público e apoiadores pelos eventos femininos perpetua o fosso entre os géneros

Todos os anos, jornalistas e comentadores do Reino Unido acertam, a pedido da BBC, uma lista com os esportistas que mais se destacaram na temporada, com o intuito de escolher, de entre eles, aquele que representa a "personalidade esportiva do ano", prestigiado galardão. O escolhido é revelado numa gala televisiva tradicional nas terras de sua majestade -e que neste ano, ainda antes de acontecer, deu muito que falar, e só por más razões.

A lista do topo 10 de onde emergirá o vencedor não inclui uma única mulher. Imediatamente, a federação olímpica britânica ameaçou boicotar a cerimónia, em protesto contra o processo de selecção -o qual, diga-se em abono da TV, tem-se mantido notavelmente aberto e transparente. Qual é, então, o problema? Será que estamos perante um exemplo flagrante de sexismo e preconceito? Será que, no ano, nenhuma britânica se destacou na sua modalidade, alcançando algo extraordinário?

Como notava Oliver Holt, o principal jornalista esportivo do "Daily Mirror", não foi o caso. As britânicas bateram recordes e conquistaram em 2011 medalhas de ouro em importantes competições -no golfe, na natação, no hipismo, na ginástica...-, algumas vezes com uma dose extra de heroísmo, por não terem desistido de competir apesar de lesões e outras contrariedades pessoais. Mas, lamentava Holt, ele não assistiu a nenhuma dessas competições, não escreveu uma linha sobre elas, não reparou que elas fossem transmitidas na TV. Falha que pode ajudar a explicar o furor: o desinteresse da mídia (dos patrocinadores e do público em geral) pelos eventos femininos, em comparação com os masculinos, perpetua o fosso entre os géneros -com a correspondente subalternização das mulheres.

Infelizmente, essa (demasiado grave) razão não é a única a alimentar o descontentamento. Na lista, também não há o nome de um único futebolista ou jogador de rúgbi, as duas modalidades mais populares entre os britânicos. Será, novamente, porque ninguém dessas modalidades se destacou em 2011? O argumento não colhe -um time inglês esteve na final da Champions, e Inglaterra, Escócia e País de Gales marcaram todos presença no Mundial de rúgbi da Nova Zelândia. Ou será que a mídia, que vive diariamente da cobertura de futebol e rúgbi, decide uma vez por ano "expurgar" a sua consciência, destacando os outros esportes?

Seja por tradição ou distracção, seja por elitismo, seja por preconceito, este caso -que acontece no Reino Unido, mas seria certamente replicado em muitos outros países- revela como, no mundo dos esportes, que parece ter de tudo em abundância, ainda há muita falta de personalidade.

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