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Xico Sá

Tio Nelson faz cem anos

Todo dia é necessário que se leia um pouco da obra rodriguiana. Como quem lê um pai-nosso

Amigo torcedor, amigo secador, é chegada a hora de abrir os trabalhos sobre o ano do centenário do gênio Nelson Rodrigues, nosso estimado tio Nelson, o maior cronista esportivo que este país já conheceu. Sem ele, a maioria de nós estaria ganhando a vida no canavial ou na estiva. Sem ele, ainda urraríamos de quatro nos currais da pré-história.

Sem ele, os idiotas da objetividade já seriam donos da bola e do mundo. Jovens, leiam imediatamente Nelson Rodrigues. Boleiros, entendam por que toda pelada é uma complexidade shakespeariana. Cavalheiros das mesas redondas, saibam por que toda unanimidade é burra. Vamos reaprender o óbvio e ululante desta flor de obsessão.

Professor Luxemburgo, leia agora mesmo Nelson Rodrigues e pare de fiscalizar a tara alheia, como um perverso incorrigível. Ronaldinho, nosso destino é pecar, como diria o mestre, mas sem amadorismo, meu rapaz. Sim, as moças de Londrina são irresistíveis, te entendo completamente.

O fato é que não podemos viver sem Nelson Rodrigues. Seja de que ramo for uma criatura. Precisamos desesperadamente das hipérboles do tio Nelson, pernambucanamente exagerado e cariocamente na galhofa. Todo dia é necessário que se leia um pouco da obra rodriguiana. Como quem lê um pai-nosso, um "ato de contrição", salve rainha mãe de misericórdia.

Porque o videoteipe é burro e o tira-teima destrói as pequenas ilusões diárias. Porque sem o tio Nelson emburrecemos a cada sístole e diástole. Porque sem ele não haveria essa crônica. Não é preciso ser Fluminense para amar esse homem. É preciso ter nascido. Porque um flamenguista também carece das suas sentenças. Porque o simples ato de beber um copo d'água de um rubro-negro é feito com paixão extrema.

Não, a pior forma de solidão não é a companhia de um tricolor paulista. Para não se perder de vez o humor no futebol, é preciso estar diariamente na pele do tio Nelson. Para não se conformar com as gracinhas infantis dos programas esportivos.

Para ter a coragem do Adriano, volante do Santos, e declarar amor em público à sua noiva, carecemos de uma dose diária de N.R. Para ler o discurso freudianamente ressentido do José Mourinho (Real Madrid), precisamos, mais do que nunca, entender um pouco do tio Nelson, seus atos falhos e chistes. Para enxergar o jogo além do jogo e saber que uma traição amorosa decide a sorte de uma Copa do Mundo, carecemos deste gênio.

xico.folha@uol.com.br

@xicosa

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