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José Roberto Torero

O dia em que eu voei

Não, não há coisa melhor do que voar, atirado pelo pai, depois de uma grande vitória

Por estes dias perguntei a mim mesmo: "Qual meu momento mais feliz no futebol?"

E eu me respondi: "Ora, você sabe qual foi".

"Então por que nunca escreveu sobre ele?"

"Porque é muito piegas."

"E daí?"

"E daí que a pieguice é literariamente reprovável e eu tenho um nome a zelar."

"Seu nome parece mais um apelido, é quase uma piada."

"Você entendeu. Eu quis dizer que tenho uma certa reputação a manter."

"Tinha. Ela já foi pelo esgoto há muito tempo. Desembuche."

"Está bem, vou falar sobre o campeonato de 2002 do Santos."

"Ei, não vale mentir."

"Tem razão, meu momento mais feliz foi naquele 5 a 2 sobre o Fluminense em 1995."

"Aquilo foi bom, mas eu sei que há um momento melhor. Eu te conheço como se fosse eu."

"Você acha mesmo que eu devo contar?"

"Claro."

Então tomei coragem e comecei a narrar meu momento mais feliz no futebol, que é também o primeiro do qual me lembro. Aconteceu no último jogo da Copa de 70. Eu tinha seis anos e estava na sala de casa. Havia muita gente, e o único lugar que sobrara era no colo do meu pai. Já estava 4 a 1 e o clima era de total alegria. Mas então, quando o juiz apitou o final do jogo, é que vivi meu momento mais feliz no futebol. É que meu pai atirou-me para cima. Ele era um mineiro um tanto contido, e não lembro de ele ter feito isso antes ou depois. Mas, naquele segundo, lá estava eu, flutuando no ar. Foi uma felicidade imensa. Por um instante era como se eu estivesse voando, observando todos lá de cima. Mas o melhor é que, após meu voo, meu pai me apanhou de volta. Foi um frio na barriga, uma sensação de liberdade e depois, segurança. Tudo junto.

Não, não há coisa melhor do que voar, atirado pelo pai, depois de uma grande vitória. Aquele voo durou apenas décimos de segundo, mas me lembro dele até hoje, quando meu pai já se foi e meu peso só me permite ser atirado para cima por um canhão de circo.

MENTIRAS

Ronaldinho Gaúcho errou de andar e foi parar no quarto de uma senhorita, o comandante do Costa Concordia diz que não fugiu, mas que escorregou e caiu no bote salva-vidas, um estupro que não houve vira assunto para aumentar a audiência. Ah, bons tempos aqueles em que sabíamos mentir...

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