Índice geral Esporte
Esporte
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

José Roberto Torero

Batendo as chuteiras

Há mais coisas em comum entre morrer e pendurar as chuteiras do que sonha nossa vã tanatologia

Um ditado calçadista-ludopédico diz que "O jogador de futebol morre duas vezes: quando pendura as chuteiras e quando bate as botas".

É claro que se trata de uma figura de linguagem, mas as duas mortes realmente têm algumas coisas em comum.

No livro "Sobre a Morte e o Morrer", a psiquiatra Elizabeth Kubler-Ross descreve os cinco estágios pelos quais as pessoas passam ao se relacionar com a morte. São eles: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Os cinco estágios não acontecem com todo mundo nem na mesma ordem. E podem ser vistos também quando um jogador se aproxima do fim de sua carreira.

Por exemplo, há aqueles que se negam a abandonar o futebol. São jogadores que vão definhando, indo para times cada vez piores. Eles não conseguem aceitar a ideia de parar. Não creem em vida depois do gramado.

Quanto à raiva, vemos poucas manifestações. Provavelmente porque elas acontecem no âmbito privado, sem holofotes por perto. Mas, se repararmos bem, podemos ver que alguns atletas têm que se conter para não torcer o pescoço dos repórteres que lhes perguntam: "E aí, já está pensando em qual será seu jogo de despedida?".

O estágio seguinte é a da barganha. Talvez seja a fase em que está Túlio Maravilha, que atualmente joga no modesto CSE de Palmeira dos Índios. A barganha de Túlio é só parar depois de fazer seu milésimo gol.

A depressão, assim como a raiva, acontece longe dos holofotes. Mas é um passo óbvio quando o jogador se defronta com a sombra da aposentadoria. Talvez seja o que Rogério Ceni está sentindo agora, quando recém completou 39 anos e, como presente, recebeu a notícia de que terá que parar por seis meses.

E, por fim, há a aceitação. É quando o jogador entende que não há mais jeito e se conforma. Foi o que aconteceu com o goleiro Marcos no começo do ano. Cansado das dores e contusões, ele decidiu encerrar a carreira.

Todo ser humano vai bater as botas. E todo jogador de futebol vai pendurar as chuteiras. O fim é inevitável. A questão é como encarar isso.

Segundo Epicuro, um filósofo grego pré-socrático, as pessoas não têm que se preocupar com a morte, pois jamais ficarão frente a frente com ela. Enquanto nós estivermos presentes, ela estará ausente, e, quando ela estiver presente, nós é que estaremos ausentes. Mas ele se referia à segunda morte, não à primeira. Esta é vista, prevista e revista pelo jogador, que pode sentir os vermes do tempo roendo seus músculos.

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.