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José Roberto Torero

Tiro sem meta

O tiro de meta é a fé num Deus que, com habilidade de Gérson, soprará a bola para o pé esperado

O tiro de meta não merece este nome. Quase nunca ele tem a precisão do tiro ou almeja a meta. Quase sempre é apenas um chutão. Uma bola sem direção nem intenção. Um tiro que sai pela culatra.

O tiro de meta é, de certa forma, um alívio. Quando o goleiro dá aquela bicanca, quer mais é ver a bola longe de sua meta. Ou seja, na verdade, o tiro de meta é um tiro para longe da meta. Mas quase sempre é a defesa, de frente para o lance e com mais jogadores espalhados pela região, quem ganha a jogada. E assim o alívio do goleiro tem boa chance de durar pouco. É um simples adiamento, um reles lenitivo. Logo os adversários estarão rondando mais uma vez a sua área, tentando disparar a bala, ou a bola, fatal.

O tiro de meta é uma espécie de fé no caos e no acaso. O goleiro e o time esperam que, contra as estatísticas, o bruto tirambaço dê início a uma fina jogada. É claro que às vezes a bola cai exatamente no pé do atacante e torna-se um gol em dois toques. Mas são tão raras estas exceções que são repetidas em incansáveis replays.

O tiro de meta é uma demonstração de pressa e impaciência. É tentar queimar etapas, engolir introduções, pular prólogos. É abrir um crediário tendo dinheiro apenas para a primeira parcela.

Hoje em dia é difícil ver um goleiro entregar a bola no pé de um zagueiro, que a passa a um lateral, que a toca para um volante, que a entrega ao meia, que finalmente a lança ao atacante. Em geral o goleiro dispara seu petardo para o céu e ficamos num suspense de Hitchcock para saber em que pés ou cabeça a bola cairá.

O tiro de meta é a crença de que no final tudo dará certo. É uma fé cega no destino. É acreditar que não precisamos de um planejamento, de uma tática, de um mapa a seguir. É mandar a bola para frente e tentar resolver, num átimo, com o jeitinho brasileiro ou por um milagre divino, o que poderia ser pensado antes.

Mas não é assim em grandes equipes, como na seleção brasileira de 70 ou no atual Barcelona. Em times como estes, parece ser proibido deixar um lance à própria sorte.

Eis aí, meus caros, toda a diferença entre um onze comum e um escrete memorável: o simples e desprezado tiro de meta.

Como bem dizia meu avô: "O gigante se conhece pelo dedo do pé. As grandes equipes, pelo tiro de meta". Ou, se você preferir, podemos citar a Bíblia: "Diga-me como cobras o tiro de meta e te direi quem és. Ou, pelo menos, como jogas".

Porque, no fim das contas, tudo depende do primeiro passo. Ou do primeiro passe.

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