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Pioneiros

Brasileiros lembram como era atuar e viver na Ucrânia, último eldorado do futebol, dez anos atrás

RAFAEL REIS
DE SÃO PAULO

"A gente chegou com fama muito ruim. Eles achavam que a gente não ia se adaptar à cultura ucraniana. A imagem que tinham era que brasileiros eram vagabundos."

Depois de dez anos, Diogo Rincón, 32, ainda lembra do clima de desconfiança e medo do começo da história dos atletas brasileiros na Ucrânia.

O meia, revelado pelo Inter, foi um dos precursores da diáspora que entupiu de atletas nascidos no Brasil o país que divide com a Polônia a organização da Eurocopa, que começa sexta. E que fez o torcedor se acostumar a ver na seleção brasileira atletas de clubes como Shakhtar Donetsk e Dínamo de Kiev.

Ao assinar com o Dínamo, em 2002, Diogo virou o segundo brasileiro da história do clube. O primeiro, o atacante Leandro Machado, chegara ao país um dia antes.

Os outros dois compatriotas que se aventuravam na Ucrânia, os atacantes Edu (Arsenal de Kiev) e Brandão (Shakhtar Donetsk), também não tinham nem seis meses na ex-república soviética.

"Acho que passava uns 70% ou 80% do tempo com o Diogo. Falava mais com ele do que com minha família."

A afirmação de Leandro Machado não é exagero. Na Ucrânia do início da década de 2000, as concentrações para uma partida costumavam durar três dias. E, além do companheiro, só havia mais uma pessoa no clube que entendia português.

"Mal dava para entender o que ele falava. Era uma coisa maluca, de Moçambique. Mas se não fosse ele, a gente ia pirar. A diferença de cultura era enorme", afirma Diogo, que viveu sete anos na Ucrânia.

Boris, o tradutor do Dínamo, havia trabalhado para o governo soviético e tratou de assustar os brasileiros com histórias ocultas do regime.

O medo fazia parte do cotidiano da dupla. Eles não sabiam de onde vinha o dinheiro dos bilionários irmãos Surkis, proprietários do time, e se assustavam com o entra e sai de carros pretos da parte de trás do centro de treinamentos cravado em uma floresta. A entrada dos jogadores era proibida nesse setor.

"O que se dizia era que nossa concentração era uma mansão cheia de passagens e salas secretas que o presidente do país costumava usar. Muitos políticos frequentavam o clube", conta, agora descontraído, Diogo.

Ele lembra ainda como foi difícil conquistar torcedores acostumados com um futebol de rigidez tática e desacostumado a improvisos. "Se a gente arriscava uma jogada de efeito, eles já chiavam."

Se ganhar a torcida já era duro, atrair a simpatia dos companheiros ucranianos de time era quase impossível.

"Eles viveram muito tempo na guerra. Dá para entender a hostilidade que eles sentem pelos estrangeiros. Eles sabem que você está lá para tirar a vaga de um ucraniano", analisa o zagueiro Rodolfo, hoje no Vasco, que chegou à Ucrânia dois anos após os pioneiros e defendeu o Dínamo até o final de 2006.

Mas a situação está mudando, conta Jadson, meia do São Paulo, que foi ídolo por seis temporadas no Shakhtar.

"Eles estão ficando mais abertos. Já perceberam que, se continuassem sendo desse jeito, iam ficar para trás."

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