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José Roberto Torero O Carneiro que lia Carneiro foi bicampeão como presidente do Flu, conquistando os Cariocas de 1940 e 1941 Quando cheguei à casa do supino mestre Zé Cabala, ele usava seu tradicional turbante branco. E, como fazia frio, estava enrolado num alvo edredom. Arrisquei um chiste: "Pareceis um carneiro, sábio dos sábios." Ele fez um enigmático esgar com a boca, que podia tanto ser um riso como um muxoxo de desprezo. Depois perguntou: "Veio entrevistar alguma alma futebolística?" Ao ouvir meu sim, ele afundou o turbante na cabeça, tornando-se um grande novelo branco. Quando o pôs novamente no lugar, disse com voz grave: "Marcos Carneiro de Mendonça, ao seu dispor." "O primeiro goleiro da seleção brasileira? O craque do Fluminense?" "Realmente fui o primeiro goal keeper do escrete nacional. Eu me lembro até hoje daquele match contra o Exeter City, da Inglaterra. Era o dia 21 de julho de 1914. Eu tinha apenas 19 anos. E não sofri nenhum tento. Vencemos por 2 a 0, lá no campo da rua Guanabara, 94." "Esta foi sua maior glória na seleção?" "Não. A maior foi participar do primeiro título, o Sul-Americano de 1919. A final foi contra o poderoso Uruguai. No primeiro jogo, 2 a 2. Como não havia disputa de pênaltis, marcaram uma segunda partida. Nos 90 minutos, nada de gol. Na prorrogação, manteve-se o 0 a 0. Fez-se necessária uma segunda prorrogação. O Friedenreich marcou logo aos 3min. Eles vieram para cima, mas naquele dia eu estava endiabrado. Ou protegido pelos anjos. O certo é que defendi tudo e fomos campeões." "E no Tricolor, qual seu jogo inesquecível?" "Também foi em 1919, no tricampeonato. Precisávamos vencer o Flamengo. Quando estava 0 a 0, pênalti contra nós. Japonês bateu e eu defendi. Ele pegou o rebote, mas redefendi. Sidney pegou o rerrebote e eu rerredefendi. Então Junqueira deu o quarto chute seguido. E eu rerrerredefendi. O público me aplaudiu de pé. Isso acabou com os rubro-negros. E acabamos vencendo por 4 a 0." "O senhor se aposentou com quantos anos?" "Com 28. Então fui trabalhar na siderúrgica da família de minha mulher, a poetisa Anna Amélia, linda que só ela. E também virei historiador, especializado no Marquês de Pombal." "De goleiro a intelectual?" "Eu tinha uma biblioteca com 11 mil volumes em casa. E sempre passavam por lá amigos como Nelson Rodrigues, Carlos Drummond de Andrade e Austregésilo de Athayde. Não há lei que diga que os futebolistas não podem gostar de coisas como literatura e história. Alguns preferem tchus e tchás, mas nem todos." Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros |
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