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Xico Sá

Feios, sujos e malvados

'Não quero saber de merecimento, odeio futebol, feio ou bonito, amo o Corinthians'

Amigo torcedor, amigo secador, tudo já foi dito e explorado sobre o dia em que o Corinthians, tal o meu herói navegador Cabeza de Vaca, descobriu, para valer, a América. Ninguém contou, porém, a história de Putão -isso mesmo, não me pergunte o motivo-, o vira-lata do seu Benjamim, carroceiro aqui da área da Augusta.

Benja, como é conhecido na esquina com a Matias Aires, me pega pelo braço, ainda merecidamente bêbado com o triunfo do seu time. "Eu não disse que ele voltava!" Disse sim senhor, parabéns pelo título, foi merecido.

"Não quero saber de merecimento, odeio futebol, feio ou bonito, só amo o Corinthians", diz, orgulhoso como se tivesse a grana dos alvinegros que foram ao Pacaembu na quarta. Como se tivesse o prestígio de um Washington Olivetto, outro corintiano ilustre da cidade.

Cheio da moral, com Putão beijando a boca, o catador de papelão relembra. Putão havia sumido no foguetório antes do jogo de ida em Buenos Aires. Ficou chateado, mas o desaparecimento do seu "psicólogo" acendeu uma fagulha que o esquentou nas noites frias sem o amigo.

"Era o sinal do título", conta. "Sabia disso, só não sabia que Putão voltaria no justo momento em que acabou o jogo", Benja chora lágrimas que derretem a sujeira encarvoada da face. Pede para que eu lhe pague uma pinga, como já é de costume, para continuar a história. "Um homem sóbrio não sabe dizer nem seu nome direito." É sua filosofia predileta.

E quem disse que o sergipano viu a partida. "Tenho mais o que fazer do que ver 22 machos correndo atrás de uma bola com um imbecil de preto vendo se não houve beijo na boca", gargalha com a sua piada mais antiga. Conheço a gracinha desde que o apresentei ao doutor Sócrates, em um belo porre dos três no Ibotirama, outubro de 2009.

O que importa é que Putão, no foguetório do título, voltou ao seu dono. O vira-lata malhado, branco, preto e caramelo, o derrubou na sarjeta, tamanha era a festa.

"É meu psicólogo", diz Benjamim, o cara que mais me fornece temas de rua para as minhas crônicas. O vira-lata como analista ou terapeuta das massas. "Amizade de cachorro é fácil, quero ver é ouvir a noite inteira a minha desgraça", dá a ficha.

"O doutor Sócrates também vem toda noite conversar com a gente", solta o corintiano. O filho da mãe sabe que sou fraco para choro. "É sério", diz, convicto. Bem antes de morrer, o Magrão acreditava deveras no espiritismo.

@xicosa

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