José Roberto Torero

Amores boleiros

-Eu não acredito, Vikinha, você não pode estar indo embora...

-E você acha que essa mala aqui é para quê? Férias?

-Se você quiser, pode ser. Dizem que férias conjugais são boas para o casamento.

-Não. Eu vou embora para sempre, Godô.

-Mas qual é o problema, Vikinha? Você não me ama mais?

-Claro que amo, Godô.

-Não entendo. Tenho algum defeito grave?

Ela respira fundo, senta na cama, põe o rosto dele entre suas mãos e começa a falar pausadamente, como uma professora que vai explicar raiz quadrada:

-Godô, você é ótimo. É carinhoso, bom na cama, lava louça de vez em quando e gosta de ficar de mão dada no cinema. Mas...

-Mas o quê?

-É essa sua profissão.

-Eu sou um bom goleiro.

-É bom, mas não é perfeito.

-Ninguém é.

-Eu sei. Mas nos outros isso não é um problema. Se um centroavante perde um gol, logo aparece outra chance e ele marca. Se alguém no meio-campo erra um passe, o pessoal logo esquece. Se um zagueiro falha, muitas vezes não acontece nada. Mas você, Godô, você não tem escapatória. Mais cedo ou mais tarde você... toma um frango.

Vikinha começa a chorar. Aos soluços. Mas respira fundo e continua a explicação:

-Sabe a dor que é ver você se levantar devagarinho depois de um gol, Godô? Sabe a dor que é ver você ir buscar a bola no fundo da rede? Isso acaba comigo. Não aguento viver com a certeza de que mais cedo ou mais tarde você vai sofrer.

-Eu entendo, eu entendo...

-Vou te abandonar porque te amo demais.

-Mas... E se eu trocar de profissão, Vikinha?

-Você faria isso por mim, Godô?

-Na hora.

-Então eu fico! Eu fico!

-Posso ser policial que nem o meu irmão ou bombeiro que nem o meu pai.

-Qualquer coisa, Godô, qualquer coisa menos goleiro. Ser goleiro é muito perigoso.

CONVITE

Hoje, às 18h30, na Cinemateca, Ugo Giorgetti e eu vamos mostrar nossos documentários olímpicos (o dele é sobre os Jogos de 1968 e tem 52 minutos). Depois haverá um bate-papo com o público. Os três leitores desta coluna estão convidados.