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Edgard Alves

O Misha e a Semenya

Não sou da tribo que curte desfile de abertura, mas não desdenho de quem aprecia o espetáculo. Nesse tipo de atração, gosto não se discute.

Só me emocionei de verdade uma vez. Foi na cerimônia dos Jogos de Moscou, em 1980. Eu estava no estádio Lênin. Foi curioso ver o pugilista Teófilo Stevenson desfilar como porta-bandeira, segurando o estandarte de Cuba com o braço esticado à frente do corpo, paralelo ao solo, numa demonstração de força.

Mas não foi isso que automaticamente, e aos poucos, fez com que minha respiração ficasse presa no peito. Nunca entendi aquilo nem encontrei uma explicação. Apenas desconfiei que tinha a ver com a aparição do ursinho Misha, o símbolo e maior sucesso daquela Olimpíada. Era o desenho de um urso, formado por placas de papelão que torcedores treinados levantavam sobre as cabeças na festa. No encerramento dos Jogos, dos olhos dele rolou uma lágrima que emocionou o mundo.

Quando voltei ao Brasil, o tal ursinho ainda era assunto em reuniões caseiras e nos botecos. Gente ligada ao Partidão até falava do bichinho com uma ponta de orgulho.

Trouxe um Misha de borracha, recoberto de veludo, e outro de chaveiro. Minha filha Aline, nascida dez meses depois, brincou muito com o ursinho. Na década de 90, incluímos uma caixa de brinquedos numa doação. Equivocadamente, o nosso Misha foi junto. Aí a tristeza bateu lá em casa. Tomei o chaveirinho como refém das lembranças da aventura que foi a Olimpíada de Moscou. Ele está reservado para a Pietra, minha neta.

Hoje acompanharei a festa de Londres e, acreditem, pronto para aplaudir. São cerca de 200 delegações, e notícias dão conta de incontáveis beldades no posto de porta-

-bandeira de seus países, entre elas, a russa Maria Shaparova, de beleza incontestável; outra é a boxeadora Katie Taylor, quatro vezes campeã do mundo no peso ligeiro, apontada como musa na Irlanda.

Gosto de mulher com algum charme, não necessariamente bonitona. Vou aplaudir uma jovem de 21 anos, com história de vida, que lutou e venceu nas pistas e, principalmente, fora delas: Caster Semenya, porta-bandeira da África do Sul.

No Mundial-2009, após conquistar a medalha de ouro dos 800 m, sob suspeita de hermafroditismo, e a abertura de investigação, ela teve de enfrentar o constrangimento de um teste de sexualidade. Ficou 11 meses esperando o resultado dos exames, que comprovaram ser ela mulher, apesar de uma doença cromossomática que a fazia ter também características masculinas.

Nesse período perdeu patrocínios, mas não a dignidade. Superou os preconceitos, voltou e continuou subindo no pódio. Virou um exemplo para as mulheres da África do Sul. E também do mundo.

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