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Antonio Prata

antonioprata.folha@uol.com.br

O plano do sr. Miyashi

Pelo telefone, diz apenas 'Jovana, Sérvia', 'Valentina, Itália' ou 'Fabiana, Brasil'

No dia 6 de julho de 2005, quando Londres foi eleita sede da Olimpíada, o sr. Miyashi se aposentou como o maior produtor de tulipas de Nagoya e passou a dedicar-se exclusivamente a seu plano. Demorou sete anos e consumiu as economias de toda a vida, mas ele não conseguiria imaginar outra forma de terminá-la.

Primeiro, foi preciso arrumar os garotos. Pagar-lhes bem, garantindo empenho e, sobretudo, sigilo. Depois, teve que mexer alguns pauzinhos para que os rapazes fossem contratados como auxiliares de quadra, nos jogos femininos de vôlei: enviar presentes às pessoas certas, fazer um ou outro depósito em obscuras contas na Suíça.

No último ano, os garotos foram exaustivamente treinados pela srta. Yagiu, a fiel secretária do sr. Miyashi. Aprenderam a dividir a atenção entre o jogo e o minirreceptor em seus ouvidos, a correr para a quadra assim que surge a encomenda, a passar a toalhinha sobre o suor, sem esfregar demais -alguns odores do piso podem impregnar as fibras de algodão egípcio, sobrepondo-se aos perfumes naturais, como certas substâncias mascaram as drogas proibidas num exame antidoping.

Dia 27 de julho, quando o mundo via James Bond levar a rainha ao estádio Olímpico, sr. Miyashi instalava-se em sua suíte, na cobertura do Ritz londrino. É ali que ele se encontra agora e ali ficará até o dia 12 de agosto, deitado sobre o edredom de plumas de ganso, nu, diante de uma TV de 87 polegadas, assistindo às mulheres jogarem vôlei. De tempos em tempos, com as mãos trêmulas e sem tirar os olhos da tela, agarra o telefone vermelho, na mesa de cabeceira. Diz apenas "Jovana, Sérvia", ou "Valentina, Itália", ou "Fabiana, Brasil".

Daí em diante, tudo segue o script tantas vezes ensaiado: um de seus garotos voa para a quadra com a toalhinha e captura a essência encomendada, a toalha é levada para os bastidores e colocada numa pequena estufa, a 36,8º C, a estufa é posta imediatamente num carro do COI, que voa pelas faixas olímpicas escoltado por batedores até o Ritz, onde, de olhos fechados, sr. Miyashi aguarda.

Srta. Yagiu, a secretária -cuja voz doce e submissa não esconde, aos ouvidos de seu patrão, uma nota de malícia-, sussurra: "Jovana, Sérvia", ou "Valentina, Itália", ou "Fabiana, Brasil", e cobre o rosto do sr. Miyashi com a toalha.

É um prazer efêmero. Em minutos terão se esvaído todos os segredos contidos naqueles centímetros de algodão: a juventude, o sexo, a paz, a guerra, a esperança e o medo. Então, uma lágrima escorre pelo rosto do sr. Miyashi. Ele a enxuga na toalha e a joga fora, desesperado e feliz com a conquista deste momento áureo, nas horas cúpricas do entardecer.

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