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Antonio Prata

antonioprata.folha@uol.com.br

50 km sem banheiros

Enquanto a maratona é tida como modalidade nobre, a marcha atlética sofre com o preconceito

O mundo é injusto também no atletismo. Enquanto a maratona é tida como uma das mais nobres modalidades esportivas, a marcha atlética, sua irmã caçula, sofre com lastimável preconceito. Não bastasse a seus praticantes caminhar por quase quatro horas sem poder tirar os dois pés do chão, simultaneamente, ainda são impedidos de olhar pros lados, com medo de encarar o riso das multidões que se reúnem ao longo dos 50 km para espezinhar e se perguntar por que, oh Deus, aquele povo dedica a vida a uma atividade tão absurdamente engraçada. Pois vou lhes explicar o porquê - e espero, uma vez iluminada a origem deste esporte, que dele se retire a imerecida sombra do escárnio.

A marcha atlética nasceu na mesma tarde gloriosa que a maratona, em 490 a.C, com apenas alguns minutos de diferença. A história da irmã mais velha todos conhecem: o soldado Filípedes foi mandado de Maratona à Atenas para comunicar a vitória dos gregos sobre os persas, correu 42 km, chegou, disse apenas "Vencemos!" e caiu duro, diante do general e de sua mãe. O que poucos sabem -e que só veio à luz em 1929, quando um almoxarife do museu de Tegucigalpa encontrou num baú umas páginas do historiador Heródoto, carcomidas pelas traças e pelo tempo- é que, depois de dizer "Vencemos!", Filípedes teria ouvido uma pergunta do tal general, Cretonius (ou Cretinius, a depender da tradução): "Ok, Filis, alegro-me, mas urinaste no chafariz?".

Naquela época, era costume dos vencedores urinar no chafariz da cidade vencida e Cretonius (ou Cretinius) era muito cioso dessas formalidades. Filípedes, que havia recebido a incumbência do esculacho hídrico, mas se esquecera de cumpri-la, desembainhou sua adaga e, humilhado, matou-se ali mesmo. A mãe do soldado, aos prantos, implorou ao general que a deixasse mandar seu caçula à cidade conquistada, para conspurcar o chafariz e purificar o nome da família. Felôpodos foi despertado de sua sesta e trazido à presença de Cretonius (ou Cretinius), deram-lhe uma ânfora e meia de vinho para beber e uma ordem para cumprir: "que nenhuma gota deste líquido seja desperdiçada!". Felôpodos caminhou os 42 km até Maratona segurando o vinho em sua bexiga -e assim nascia a marcha atlética. (Os oito km que a prova tem além dos 42 km da primogênita foram um desvio feito até uma adega para repor o líquido perdido no suor.) Chegando a seu destino, Felôpodos teria urinado no chafariz, gritado "chuuuuupa, persa!" e morrido de exaustão.

Hoje de manhã, portanto, quando virem os marchadores atléticos rebolando em vossas TVs, não riam, mas lembrem-se do aperto de Felôpodos e de toda a glória da civilização helênica por trás deste olímpico remelexo. E que vença o melhor!

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