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Xico Sá

A inveja do Pau Grande

A vida não é Champions League, não é Libertadores da América nem sequer um Brasileirão. A vida é várzea

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, assim como podemos amar várias mulheres, não vejo grande crime em amar vários times. Não podemos deixar morrer, principalmente, a paixão do bairro, da cidade pequena, e da mais universal das histórias, como o futebol de várzea. É o que me sopra aqui o poeta e palmeirense Sérgio Vaz, o mais universal dos paulistanos.

Óbvio que temos o time principal, o de infância, o do peito, o que declaramos "até que a morte os separe", mas pense num menino nascido em Pau Grande, por exemplo, que viveu a infância dividido entre o centenário time do mesmo megalomaníaco nome, o primeiro clube de Garrincha, e o Botafogo, a estrela solitária definitiva do maior artista da fome de bola de todos os tempos.

O motivo desta crônica é tão somente lembrar dos 79 anos do homem da camisa 7, efeméride da próxima semana, e, ao mesmo tempo, exaltar a resistência das agremiações que resistem, mesmo na poeira do terrão e do amadorismo. Caso do Pau Grande, o mais freudiano dos clubes de futebol do mundo, como a gente de Magé (RJ) bem sabe.

Foi em Pau Grande, Garrincha que o diga, que nasceu a inveja do pênis. No vestiário improvisado, óbvio, da brava equipe fluminense que nos deu o monstro sagrado. Reza a lenda -ah dane-se a lenda-, Ruy Castro que o diga, que o ponta era mesmo agressivo na lição de anatomia. Benza-te Deus, criatura.

Escrevo estas linhas diretamente da praça 25 de Junho, centro da cidade história de Cachoeira, onde participo da Flica, a melhor festa literária do Brasil. E o que vejo na minha frente: a sede do Esporte Clube Cruzeiro, outro heroico e tradicional time brasileiro. Fundado em 1953. E mais vivo do que os mais afoitos peixes do rio Paraguaçu, logo ali na nossa vista. A gente daqui torce pelo Bahia, pelo Vitória, pelo Flamengo, pelo Palmeiras que conseguiu um feito épico em Pituaçu, pelo Santos, pelo Corinthians, mas não deixa morrer de amores pelo escrete do terreiro. É disso que estou lerdamente falando.

Amar as mulheres sobre todas as coisas e, se sobrar tempo, amar nosso time profissional e não deixar findar nunca nosso time amador, nossa paixão inicial e geográfica.

Seja o Carrão, seja o América do Itaim, seja a Portuguesa do Crato ou o Itarema de Santana do Cariri. A vida, amigo, por mais que a gente pretenda, não é Champions League. A vida não é Libertadores da América. A vida sequer é um Brasileirão de verdade. Pode até parecer com a Copa do Brasil, mas a vida é várzea, a vida não passa de um Desafio ao Galo, o genial torneio dos arrabaldes.

Vida longa ao Pau Grande. O resto é inveja do pênis e profissionalismo passageiro.

Amigo, ame seu time do peito, mas não deixe morrer o seu time do bairro, da cidade pequena, da várzea, solenemente te peço.

COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Juca Kfouri e Edgard Alves, terça: Lúcio Ribeiro, quarta: Tostão, quinta: Juca Kfouri, sexta: Xico Sá e Fábio Seixas, sábado: José Roberto Torero, domingo: Juca Kfouri e Tostão

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