São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

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A ilha

Com o Pan como meta, confederação de remo põe atletas na concentração durante cem dias

Processo seletivo para os Jogos isola competidores e envolve até disputas entre os companheiros de uma determinada embarcação

Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem
Remadores brasileiros que buscam vaga no Pan treinam no rio Guaíba, em Porto Alegre

LUÍS FERRARI
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Atletas confinados em uma ilha, convivendo 24 horas por dia durante meses e competindo esporadicamente entre si, para definir as eliminações. Não é roteiro de "reality show". É o processo seletivo da equipe brasileira de remo para o Pan.
No início de dezembro do ano passado, 42 remadores foram convocados. Hoje, depois de quase cem dias ilhados -houve dois breves períodos de folga-, há 31 sobreviventes.
O cenário é sede de remo do Grêmio Náutico União, na ilha do Pavão, situada no rio Guaíba, em Porto Alegre. O centro da cidade é próximo, mas só acessível por meio de balsas, que levam 20 minutos no trajeto e param de operar às 21h.
Lá, há tudo o que os remadores precisam para treinar. E muito pouco além disso.
"Por mais que seja perverso ficar ilhado por tanto tempo, para a evolução da equipe, esse confinamento é tudo. Aqui a gente vive o remo e a perspectiva do Pan 24 horas por dia. Não dá para pensar em outra coisa", diz Henrique Vieira Motta, 26.
No caso dele e de seus colegas no quatro sem peso-leve, o confinamento começou em outubro, visando o Sul-Americano, vencido no mês seguinte.
Mas dois membros daquela guarnição -Alisson Oliveira de Araújo e Marcelo Souza dos Santos- foram cortados, após os campeões sul-americanos terem sido vencidos pelo outro quatro sem peso-leve nacional. "Perdemos a disputa num domingo e, três dias depois, houve um teste dos quatro, que eliminou os dois de pior desempenho. Foi cruel. Estávamos unidos e passamos a competir entre nós para sobreviver", conta Henrique sobre seu momento crítico na concentração.
No próximo fim de semana, quando acaba esta etapa do confinamento, seu barco, com dois novos componentes, terá novo confronto com os algozes nacionais. Os vencedores devem ser titulares do Pan.
Se os atletas são unânimes em apontar os cortes como os piores momentos, para o técnico Rodney Bernardes Júnior, o mês mais traumático foi janeiro, quando houve pesados testes físicos. "Ficaram doentes pelo desgaste, e isso me afligiu."
Mas até ao tratar das doenças Rodney Jr. vê virtudes no modelo de concentração tão prolongada, inédito no Brasil. "Aqui, eles ficaram doentes e nós vimos. É diferente do treino nos clubes, quando podem alegar doença por telefone e perder treino, por exemplo, por excessos na noite anterior."
A internação também incentiva a criatividade. Para gastar menos em ligações para as famílias -não há orelhão na ilha-, os atletas compraram um celular desbloqueado que aceita chips de todos os Estados. Não pagam interurbano, só a taxa de deslocamento.
Eles contam também com a boa vontade do pessoal do Grêmio, que abriu exceção para Fabiana Beltrame levar à concentração Bel, sua cachorra.
Mas ainda há comportamentos estranhos para os funcionários do clube. "Nunca vi tomarem tanto café", diz Claudio Viana, administrador do local, mais afeito ao chimarrão.


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