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A França ainda torce
Em Paris, africanos se unem em apoio à seleção de Gana , a única
de seu continente ainda na disputa
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PARIS
Eliminada da Copa com requintes melodramáticos -e
algumas cenas de comédia
pastelão-, a França só começa a colher os cacos do
fiasco na África do Sul.
Fofocas, pedidos de demissão, explicações à torcida, questionamentos governamentais vistos com maus
olhos pela Fifa...
Mas há um pedacinho do
país, oito confusos quarteirões encravados na zona norte de Paris, que ainda torce
fervorosamente no Mundial.
E, em vão, espera amparo
dos órfãos dos "Bleus".
Na 19ª parada da série
"Um Mundo Que Torce", a
Folha visitou ontem Château-Rouge, bairro africano
da capital francesa.
Região que, por concentrar tanta gente de tantos
países diferentes, já assistiu
a vários conflitos.
Transitar por ali, com bloquinho e câmera fotográfica
nas mãos, é tenso. Como
muitos moradores são imigrantes ilegais ou trabalham
com mercadorias falsificadas, jornalistas são tão bem
recebidos quanto a polícia.
(Nas três horas em que a
reportagem caminhou pelo
bairro, não viu um policial.)
UNIÃO AFRICANA
O clima só melhora quando percebem que o assunto é
futebol, Copa. É, também,
quando se revela a união na
torcida pela seleção de Gana.
"Como acontece na África
inteira, estamos com Gana
neste momento", diz um camaronês, vendedor de ameixas que não quis se identificar nem se deixar fotografar.
"Todos os africanos aqui
estão empolgados. Gana,
agora, é mais do que um país.
É todo o nosso continente",
afirma o angolano Avelino
Gonçalves, pedreiro.
Não foi difícil encontrar os
ganenses. "Eles ficam na esquina da Léon com a Doudeauville", diz um passante.
E lá estavam, sentados em
banquinhos, sob as janelas
da Boulangerie Merhamah.
Eram quatro, conversando, quando a Folha chegou.
Eram oito, alguns exaltados
para falar sobre seu mais novo orgulho, minutos depois.
"Amo aqueles garotos. Brasil
e Gana vão jogar a semifinal
na Cidade do Cabo e vai ser
bom. Estamos acostumados
a vencer vocês", diz Pat Mackenzie, 51, há 30 anos na
França, referindo-se ao Mundial sub-20, em 2009.
"E tem mais. Não se esqueça que a África do Sul é África. Você acha que vão torcer
por brancos? Sem chance.
Nem pelo Brasil."
TROÇA
Nana Kennedy, 60, que
preside a associação local de
ganenses, faz troça com os
eliminados. "Estávamos esperando a França na final,
mas eles ficaram com medo",
lança, rindo, para depois
adotar tom mais sério.
"Muitos franceses torcem
pela Costa do Marfim, porque
foi colônia deles. Mas, agora,
todos estão com a gente."
Kwaku Adubaffour, 57, 33
anos de França, estava a alguns quarteirões, na rua Custine, diante de outra loja ganense. Pensa parecido:
"Na França, todos torcem
por Gana. Até os brancos".
Nem tanto.
Na região de Montparnasse, mais ao sul da cidade,
quem falou foram franceses.
"Eu torceria por Gana, mas
acho que não vão durar na
Copa. Então, torço por qualquer europeu, seria bom pro
continente", diz o estudante
Thibault Boucher, 18.
"Sim, perdemos a França,
mas nos agarraremos agora
na Europa", completa o bancário Adrian de Sauter, 23.
Recortes de um outro
mundo.
A apenas 18 estações de
metrô dali mas, ao mesmo
tempo, tão distante. Na bola,
e em todo o resto.
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