São Paulo, quinta-feira, 01 de julho de 2010

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A França ainda torce

Em Paris, africanos se unem em apoio à seleção de Gana , a única de seu continente ainda na disputa

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

Eliminada da Copa com requintes melodramáticos -e algumas cenas de comédia pastelão-, a França só começa a colher os cacos do fiasco na África do Sul.
Fofocas, pedidos de demissão, explicações à torcida, questionamentos governamentais vistos com maus olhos pela Fifa...
Mas há um pedacinho do país, oito confusos quarteirões encravados na zona norte de Paris, que ainda torce fervorosamente no Mundial. E, em vão, espera amparo dos órfãos dos "Bleus".
Na 19ª parada da série "Um Mundo Que Torce", a Folha visitou ontem Château-Rouge, bairro africano da capital francesa.
Região que, por concentrar tanta gente de tantos países diferentes, já assistiu a vários conflitos.
Transitar por ali, com bloquinho e câmera fotográfica nas mãos, é tenso. Como muitos moradores são imigrantes ilegais ou trabalham com mercadorias falsificadas, jornalistas são tão bem recebidos quanto a polícia.
(Nas três horas em que a reportagem caminhou pelo bairro, não viu um policial.)

UNIÃO AFRICANA
O clima só melhora quando percebem que o assunto é futebol, Copa. É, também, quando se revela a união na torcida pela seleção de Gana.
"Como acontece na África inteira, estamos com Gana neste momento", diz um camaronês, vendedor de ameixas que não quis se identificar nem se deixar fotografar.
"Todos os africanos aqui estão empolgados. Gana, agora, é mais do que um país. É todo o nosso continente", afirma o angolano Avelino Gonçalves, pedreiro.
Não foi difícil encontrar os ganenses. "Eles ficam na esquina da Léon com a Doudeauville", diz um passante.
E lá estavam, sentados em banquinhos, sob as janelas da Boulangerie Merhamah.
Eram quatro, conversando, quando a Folha chegou. Eram oito, alguns exaltados para falar sobre seu mais novo orgulho, minutos depois.
"Amo aqueles garotos. Brasil e Gana vão jogar a semifinal na Cidade do Cabo e vai ser bom. Estamos acostumados a vencer vocês", diz Pat Mackenzie, 51, há 30 anos na França, referindo-se ao Mundial sub-20, em 2009.
"E tem mais. Não se esqueça que a África do Sul é África. Você acha que vão torcer por brancos? Sem chance. Nem pelo Brasil."

TROÇA
Nana Kennedy, 60, que preside a associação local de ganenses, faz troça com os eliminados. "Estávamos esperando a França na final, mas eles ficaram com medo", lança, rindo, para depois adotar tom mais sério.
"Muitos franceses torcem pela Costa do Marfim, porque foi colônia deles. Mas, agora, todos estão com a gente."
Kwaku Adubaffour, 57, 33 anos de França, estava a alguns quarteirões, na rua Custine, diante de outra loja ganense. Pensa parecido:
"Na França, todos torcem por Gana. Até os brancos".
Nem tanto.
Na região de Montparnasse, mais ao sul da cidade, quem falou foram franceses.
"Eu torceria por Gana, mas acho que não vão durar na Copa. Então, torço por qualquer europeu, seria bom pro continente", diz o estudante Thibault Boucher, 18.
"Sim, perdemos a França, mas nos agarraremos agora na Europa", completa o bancário Adrian de Sauter, 23.
Recortes de um outro mundo.
A apenas 18 estações de metrô dali mas, ao mesmo tempo, tão distante. Na bola, e em todo o resto.


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