São Paulo, terça-feira, 01 de agosto de 2006

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MELCHIADES FILHO

O dente do juízo

Colunista emenda dentista com ginásio e constata que, apesar da crise gravíssima, o basquete sorri como nunca

TIREI O SISO e fui ver a seleção jogar. Cheguei com duas horas de antecedência. A garotada já fazia fila no portão. Nas mãos dela, sacos de feijão, arroz, açúcar e farinha -o preço do ingresso. Nas minhas, um saco com pedras de gelo, para conter o queixo.
A bochecha formigava à medida que a anestesia se esgotava. O rombo na arcada gorgolava sangue de gosto ruim. A gaze que devia estancá-lo só fazia arranhar a garganta.
Situação perfeita para sofrer com o time que não se classificou às duas últimas Olimpíadas, para chorar a decadência do basquete nacional. Mas, para meu espanto, as instalações precárias em que fomos espremidos pareceram aconchegantes.
O sistema de som tocava hits de uma banda grisalha. Barão Vermelho, Capital Inicial, algo do gênero. O clima, porém, não tinha nada de retrô. O predomínio de adolescentes na arquibancada não permitia. Um tiozinho trocou de camisa, sem cerimônia, no meio da torcida.
Ninguém questionou a má educação ou o desodorante vencido. Atrás de mim, cinco meninos neozelandeses gritaram "yeah!" e fizeram uma "ola" quando ganharam do pai um balde de minipães-de-queijo.
Esperei os palavrões. A galera não esboçou nem um básico "senta!" em reprimenda. "Que bonitinhos!", ouvi. "Como são loirinhos!" O presidente da confederação sorria enquanto matava tempo na quadra. Os atletas se divertiam com o "tira-uma-foto-comigo-no-celular?". A paciência de Leandrinho, o mais requisitado, não tinha limite. Vi teens invocados, que metem o pau na blogosfera, se derreterem na fila que acabava no técnico Lula.
As garotas cercavam Marcus Vinícius e Jhonatan, jovens que não emplacaram o grupo do Mundial. Ambos tentavam resistir. Mas nenhum esporte reúne groupies tão maravilhosas. Ninguém é de ferro. Até repórter do Sportv dava autógrafo.
O mestre de cerimônias chamou os atletas mesclando inglês ao português ("Número six: Marcelo Huertas"). Todos relevaram.
Jogo iniciado, o Brasil reincidiu nas falhas de sempre: marcação passiva da linha de três, falta de opções de jogo sob a cesta (Splitter no high post!), transição deficiente ataque-defesa (desbalanço numérico na quadra) e desatenção nas rotações e nos rebotes defensivos. Algo estava diferente, porém.
Achei ter visto uma evolução, ainda que pequena, em todos esses aspectos. Íamos bem nas infiltrações, na transição defesa-ataque e no rebote ofensivo. A escolha de chutes ficara mais criteriosa. O time não estava mais tão previsível, uma surpresa.
Do lado de fora, treinadores e veteranos aplaudiam. Se o Nenê não vem, tudo bem, afirmavam em coro. Enquanto eu mastigava um analgésico, o ginásio ruminava felicidade. Agora só falta o Zagallo, pensei. Talvez tenha ingerido paracetamol demais. Talvez o boticão tenha me custado mais do que o dente.

AMÁLGAMA 1
Os melhores do Mundial-02 (Argentina, Sérvia, Alemanha e Nova Zelândia) decaíram. O Leste Europeu levará seleções renovadas. Mas o Mundial não será sopa. Os hermanos ainda têm um timaço, os EUA juntaram um elenco e um técnico fabulosos, França e Espanha se reforçaram, e Grécia e Turquia ganharam entrosamento. Mas dá para encarar quase todo mundo.

AMÁLGAMA 2
A CBB, submissa à televisão, ainda não divulgou o horário. Mas o torcedor já pode se programar. O Brasil fará os dois primeiros jogos do Mundial feminino de São Paulo às 15h15 (de Brasília). Ingressos pelo site www.ingressofacil.com.br.

AMÁLGAMA 3
No melk.blog.uol.com.br, a versão estendida desta coluna.


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