São Paulo, terça-feira, 01 de dezembro de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Mata-mata corrido


O Campeonato Brasileiro teve a tensão constante de um sistema de disputa e a trágica página final de outro


A HUMANIDADE pode ser dividida em dois tipos de gente: os que preferem os pontos corridos e os que gostam mais do mata-mata. Os primeiros são os realistas, os racionais. Os segundos são os românticos, os emocionais.
Explico melhor: É que o mata-mata me parece uma narrativa romântica. Aqui o que importa é o indivíduo, a vitória final, o um contra todos, o jogo derradeiro, o craque que faz o gol decisivo. "Star Wars" é mata-mata. Já o campeonato por pontos corridos me parece mais uma narrativa épica, a história de um povo. Os personagens são vários, não há um principal, e as vitórias e derrotas são muitas. Os pontos corridos são "Os Lusíadas". E não estou dizendo que Camões é melhor que George Lucas ou vice-versa. Cada um tem sua graça.
No mata-mata há um confronto final. É como nas guerras antigas, em que há uma luta crucial, seja a batalha das Termópilas, seja a de Waterloo. Mas o campeonato de pontos corridos se assemelha mais às guerras modernas, nas quais a vitória é mais difusa. Você sabe qual foi a batalha decisiva da Guerra do Vietnã? Nem eu. E na Primeira Guerra Mundial? E na Segunda?
Nem eu, nem eu.
O campeonato por pontos corridos é mais ou menos como a vida, em que poucos movimentos são realmente decisivos. A existência cotidiana é feita de pequenas lutas diárias. Ela não tem, como nos filmes, o momento categórico, peremptório, terminante. Talvez se possa argumentar que não há momento mais terminante que a morte. Mas, mesmo ela, se pensarmos bem, acontece um pouco a cada dia, e não apenas no último suspiro.
Porém este Brasileiro vai se decidir apenas na última rodada e, dessa forma, vai ter um quê daqueles romances em que a última página dá sentido a tudo. É onde descobrimos o assassino, onde o príncipe beija a princesa, onde o mocinho enfia a espada no peito do cavaleiro negro.
Já na vida, nossa última página não importa grande coisa. Não importa como Marx morreu, mas o que escreveu. Se Beethoven foi vítima de câncer, de tuberculose ou de uma espinha de peixe entalada na garganta, não faz a menor diferença. Faz diferença o que ele fez durante a vida, durante o campeonato.
Muitos torcedores sonham com a volta do mata-mata. Até a Globo suspirou por seu retorno. E é compreensível que ela, que vive de ficções, de novelas que se decidem no último capítulo, queira a volta do futebol ao formato de romance.
Já outros torcedores, talvez menos românticos, preferem os pontos corridos, em que a emoção se dilui por todo o campeonato e não apenas no momento derradeiro.
De qualquer forma, neste campeonato, teremos as duas coisas.
Tivemos pontos corridos e só saberemos o campeão na última página, na última rodada. E a disputa não será apenas entre dois clubes, mas entre quatro.
Com esta junção de realismo e romantismo, este acabou sendo o nosso melhor Brasileiro dos últimos tempos. Talvez de todos os tempos.
Pelo menos em competitividade.
Tivemos a tensão constante dos pontos corridos e a trágica página final do mata-mata.
Foi um mata-mata corrido.

torero@uol.com.br


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