São Paulo, domingo, 02 de janeiro de 2011

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FOCO

Vovô de 78 anos vence disputa por último lugar da corrida

CAROLINA ARAÚJO
CRISTIANO CIPRIANO POMBO
MARIANA BASTOS
DE SÃO PAULO

Mal Marílson Gomes dos Santos cruzara a linha de chegada, às 17h35, após 44min04s de prova, começava outra corrida da São Silvestre, bem distante da TV, mas não menos empolgante: a do atleta que fecha a prova.
E a disputa foi bem mais acirrada do que a pela liderança. Último a passar pelo portimão de largada, o portuário Mario "Galego", 53, segurou a lanterna por sete quilômetros, fazendo embaixadinhas -ele queria, e conseguiu, fazer os 15 km sem deixar a bola tocar o chão.
Mas Galego, que ditava a desmontagem do circuito às suas costas, tal qual uma avalanche, com caminhões, gente varrendo as ruas, policiais se desmobilizando, não acabou no último lugar.
"Não acredito que esse rapaz vá até o final fazendo isso", soltou Rafaela Martins, que, ao lado de Cíntia Farias, controlava o ônibus-prego, que ia recolhendo quem trabalhou na São Silvestre.
O ônibus e a moto guiada pelo fiscal e batedor Carlos Alberto Rodrigues Barreto escoltavam o "ilustre" atleta.
Mas o boleiro de Santos foi "superado" por um senhor e uma criança na Norma Gianotti. Estes, porém, pararam numa loja de conveniência.
Aí, um estrangeiro entrou na parada. Perto do km 9, o equatoriano Hernán Trujillo Duque, 62, que recebia assistência no ônibus, voltou à prova. Mas só por 20 m, quando sentiu a perna e foi levado a uma ambulância.
A lanterna então foi para um velho conhecido da São Silvestre. "Xiii, é o Noiva."
A cada três passos, uma foto, um pedido de casamento. O prazo para a conclusão da prova, de 2h15min, já tinha estourado, e o "Noiva" Eliel Daim, office-boy em sua 13ª São Silvestre com o 13º vestido diferente, foi surpreendido, no viaduto do Chá, por Francisco Bezerra Lima, 78.
Em sua quinta São Silvestre, o ex-varredor de rua pegou a lanterna. "Vou terminar de qualquer jeito."
Quando um funcionário da prova tentou ajudá-lo, o vovô cearense reagiu: "Pare de me encher, rapaz! Por que ele tá insistindo nisso?".
Com cerca de 1,60 m e corpo curvado, ele ficou pasmo ao descobrir que era o último. "É mentira. Tem muita gente atrás." E tinha, mas eram funcionários da prova, todos no ritmo de Francisco.
"Não quero passar vergonha. Eu só treinei três meses. A São Silvestre tá cheia de gente. Antes, eram 10 mil."
Mesmo constrangido, ele alcançou Mônica Basílio, 11, que acompanhava o tio e ficou para trás -a prova não inscreve menores de 18 anos.
Francisco e a menina foram juntos. Mas o cearense segurou a rabeira. E, ao chegar à Paulista, viu sua mulher, que o esperava. "Pelo amor de Deus, o que é que te deu? Tô morta de preocupação", disse Maria da Silva, 72.
Francisco seguiu adiante, sem chip. "Chi o quê?" A fivela de plástico que veio no kit. "A coisa que tinha um rabisco no meio? Joguei fora."
As ambulâncias ligam as sirenes, Francisco ensaia um pique e cruza a chegada após 3h05min57s. Cai nas graças do povo, mas, depois, fica perdido, só, à procura de Maria. Ao revê-la, diz. "Acalme-se. Foi uma corrida maluca, minha última São Silvestre."


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