São Paulo, domingo, 02 de março de 2008

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Pequim teme falta de tempo para mudar de fato

A 5 meses da Olimpíada, população ainda mantém velhos hábitos, e medidas contra poluição devem ser só paliativas

Governo determina até paralisação de obras para evitar o pó das construções e esvaziar a cidade, que ganha mil novos carros por dia

RAUL JUSTE LORES
DE PEQUIM

Mais de US$ 40 bilhões gastos em infra-estrutura e prédios espetaculares de alguns dos melhores arquitetos do mundo não foram capazes de deixar Pequim nos trinques para os Jogos Olímpicos.
A cinco meses do maior evento internacional que o país já promoveu, demonstração da China como nova potência mundial, há sinais de insegurança por todos os lados.
Há diversos planos mirabolantes em andamento para deixar a capital mais limpa, menos poluída e para educar seus cidadãos, famosos por furarem toda e qualquer fila, além de escarrarem sonoramente pelas calçadas. As mudanças serão à força, como é do feitio do governo comunista, no poder desde 1949. O tempo é curto.
A reportagem da Folha conversou com urbanistas e membros da administração municipal. Sob o anonimato imposto pelo Partido Comunista, eles admitem que há apreensão variada, desde o pequeno número de taxistas que sabe falar inglês ou entender palavras que não estejam escritas nos ideogramas chineses, até a poluição.
O governo determinou a paralisação dos estimados 3.000 canteiros de obras da cidade entre julho e setembro. Não só para evitar o pó das construções, mas para esvaziar a cidade -há 5 milhões de migrantes do interior na capital, principalmente na construção civil, que devem voltar para suas províncias por um bom tempo.
Segundo os urbanistas, as campanhas para reduzir a poluição têm efeito limitado. Apesar do deslocamento de cem fábricas do centro para a periferia da capital, e a substituição de 4.000 velhos ônibus e 30 mil táxis quase sucateados, a frota não pára de crescer.
O trânsito de Pequim ganha mil carros novos por dia, graças ao frenesi consumista do país onde a propriedade privada de um automóvel para uso pessoal só foi liberada em 2001. Em janeiro, 20 dias foram considerados "seriamente poluídos", pior cifra em seis anos.
A prefeitura ainda estuda uma campanha com punições e multas que pretende retirar mais de um milhão de carros das ruas de Pequim nos 15 dias dos Jogos. Uma espécie de rodízio em que todos deixarão os carros na garagem, sem importar o número final da placa.
Em 2007, estudo da Agência Espacial Européia concluiu que Pequim e as províncias vizinhas tinham então o pior nível de dióxido de nitrogênio no mundo, que pode causar danos fatais aos pulmões. Atletas de provas de longo fôlego, como a maratona, já reclamam publicamente da poluição da cidade.
O governo também promete acabar com outra fumaceira onipresente, a do cigarro. A partir de maio ou junho, vai ser proibido fumar em qualquer lugar fechado. Algo comum em capitais desenvolvidas, mas incomum em Pequim, onde não existem áreas separadas para não-fumantes na maioria dos restaurantes da cidade.
Pesquisas apontam que seis entre cada dez homens adultos fumam regularmente. Um terço dos fumantes do mundo é de chineses (350 milhões).
O tempo curto para tantas transformações gera dúvidas. O taxista Cao Shiliang, há oito anos na praça, diz que as medidas são boas, mas acha que é impossível tanta mudança em cinco meses. "Já não fumo dentro do táxi, como sempre fiz, mas tem outras coisas que é mais difícil mudar. Sou velho."

Nas nuvens
Na cruzada para transformar hábitos e o ar da capital, a China quer também tentar domar a natureza. Para evitar chuvas bastante comuns no verão, o governo disponibilizou cinco aviões e artilharia antiaérea para bombardear nuvens.
O hidrogênio liberado provocará as chuvas antes que elas cheguem a Pequim.
Depois de sete anos de preparativos bilionários e crescimento econômico de 11% ao ano, o que a tornou a terceira maior economia do mundo, a China não quer permitir que algumas nuvens estraguem a sua festa.


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