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FUTEBOL
Lateral-esquerdo frustrado e freqüentador de bingos, Carvalho trocou chuteiras pelo apito na várzea de Jacareí
Calado e ruim de bola, Magrão virou juiz
FÁBIO AMATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM JACAREÍ
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A JACAREÍ
A caixa de correio com o emblema da CBF no portão trancado da
casa verde-claro da rua São Bartolomeu, em Jacareí, tornou-se uma
espécie de termômetro nos últimos dias. Porque ali, há muitos
anos, mora dona Emy, 85. Porque
dona Emy é mãe de Edilson Pereira de Carvalho, 43. Porque pela
quantidade de cartas era possível
saber se alguém havia estado lá.
Não era muito, mas já era alguma informação da família do personagem da semana. Coisa rara.
A maior parte dos amigos e parentes mais próximos de Carvalho decidiu calar sobre sua confissão de que cobrava para arranjar
resultados de partidas de futebol.
Entre o que foi falado pelos que
falaram, a história de um lateral-esquerdo perna-de-pau, homem
de poucas palavras, de origem humilde, freqüentador de bingos e
que só saiu da casa da mãe às margens dos 40 anos. E alguma indignação, patente na comparação
traçada por um velho conhecido.
"Primeiro foi o juiz assassino.
Agora o juiz ladrão. A cidade não
merece essas histórias", diz Luís
de Paula, proprietário do Mercadinho São José, na vila de mesmo
nome e na esquina da rua São
Bartolomeu, a 50 m da casa de dona Emy, onde Carvalho cresceu.
O comerciante se refere a um
caso de repercussão nacional em
97: o juiz da 1ª Vara Criminal de
Jacareí (a 75 km de São Paulo),
Marcos Antônio Tavares, foi acusado de matar a mulher e acabou
condenado a 13 anos de prisão.
Morador da Vila São José, bairro de classe média baixa, Paula
conhece Carvalho desde menino:
"Ninguém aqui gosta muito dele.
Se você não sai da frente, ele passa
em cima e não pede desculpas."
"O Magrão é corintiano fanático e tentou ser lateral-esquerdo,
mas era ruim. E perna-de-pau ou
vira goleiro ou vira juiz", conta
Orestes de Oliveira, ex-presidente
do Aliança, time de várzea do
bairro, chamando o árbitro pelo
apelido. "Ele sempre foi fechado,
não conversava com as pessoas."
Depois de apitar jogos amadores, Carvalho entrou para a Federação Paulista de Futebol em 94,
usando um falso diploma de segundo grau para garantir sua filiação. Em 99, tornou-se juiz da Fifa.
Hoje, Carvalho mora em um
condomínio fechado da cidade,
distante do bairro, com a mulher,
Márcia, e a filha. Foi para lá que
voltou na quinta, após quatro noites dormindo na carceragem da
Polícia Federal em São Paulo.
O funcionário público Benedito
Souza Faria apitou com Carvalho
na várzea de Jacareí, diz que o ex-colega sempre foi bom árbitro e
que incentivava as "vaquinhas"
para churrascos de sexta-feira na
liga de futebol amador da cidade.
Faria acredita que o envolvimento de Carvalho com o arranjo
de resultados está associado à predileção dele por jogos em bingos:
"O Magrão ia muito pros bingos,
e sabíamos que a condição financeira dele não era boa".
Segundo Faria, Carvalho "sempre foi bravo". E conta que, certa
vez, sentiu na pele o resultado do
temperamento do amigo. Em
meados dos 80, Carvalho estava
jogando por um time da cidade, e
ele era um dos bandeirinhas.
"Em um lance, o Magrão ficou
irritado, porque queria que eu tivesse marcado impedimento de
um atacante do time adversário.
Ele me deu o maior chacoalhão."
Ele ainda se recorda de um outro episódio, agora quando Carvalho apitava um jogo em Jacareí.
"Um jogador ficou bravo com a
arbitragem e, no final do jogo,
acertou um chute no Magrão. Ele
saiu correndo atrás do moleque,
mas não conseguiu alcançá-lo."
Ex-juízes profissionais também
rotulam Carvalho como uma pessoa reservada. "Nas pré-temporadas, ele nunca falava com ninguém", diz Léo Feldman. "Fechado e calado", descreve José de Assis Aragão, presidente da Anaf, o
sindicato nacional dos árbitros.
Benedito Ignácio da Silva, ex-presidente da Liga de Futebol
Amador de Jacareí, diz estar triste,
mas negou se sentir traído. Foi ele
que "inventou" Carvalho como
juiz: chegou a comprar uniforme
para o amigo, a pagar parte de um
curso na FPF e ficou orgulhoso
quando, em 90, teve a chance de
condecorá-lo como o melhor árbitro da várzea da cidade.
"Confesso que é difícil imaginar
esse tipo de coisa. Acho que foi
um momento de fraqueza."
Até sexta-feira, embora as cartas
tivessem sumido da caixa de correio com o distintivo da CBF, dona Emy não havia falado com a
imprensa. "Vem repórter toda
hora aqui, mas o caso dela é diferente. Não é antipatia, é vergonha", sugere o vizinho Paula.
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