São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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SONINHA

Sexo, drogas e automóveis


É na cultura de consumismo, irresponsabilidade, vaidade e agressividade que nascem, crescem e aparecem os ídolos

SÁBADO DE madrugada em São Paulo dá medo.
Nos becos da periferia, nas calçadas desertas cercadas de muros altos nos Jardins? Pode até ser, mas não é nisso que estou pensando agora, e sim no ""leito carroçável" das ruas e avenidas.
Seja no Capão Redondo ou na avenida Brasil, homens jovens (ou nem tanto) circulam com uma pressa desgraçada em seus carros de vidro escuro, incautos e ameaçadores.
Aceleram agressivamente, apesar do sinal fechado logo adiante. Jogam o carro para um lado e para o outro em movimentos bruscos, impaciente demais para andar reto. No tão aguardado dia de lazer, padecem de um desespero insuportável. Não curtiriam melhor a noite, a música e a gata se andassem mais devagar?
Deveria ser difícil arranjar uma garota quando se dirige desse jeito.
Eu teria pavor de entrar no carro, mas tem quem goste de sobressaltos ou tenha receio de dizer não por vários motivos, como o medo de terminar o fim de semana no 0 a 0.
E se no começo da noite o asfalto é perigoso, no fim é pior ainda, com álcool, energéticos, farinha e ""doces" a prejudicar ainda mais o juízo.
O mais bizarro é que não é exatamente a busca ensandecida de prazer que move essa turma. A balada às vezes é sinônimo de tédio, e seria muito mais prazeroso voltar para casa e dormir. Mas a necessidade básica é aparecer, impressionar se for o caso, o tédio vira pose.
E dirigir feito doido, encher a cara e catar umas minas são requisitos indispensáveis para ser o tal. Uns fazendo tipo para os outros. Nesse mundo de códigos infelizes, nessa cultura de consumismo, irresponsabilidade, narcisismo e agressividade, nascem, crescem e aparecem os ídolos do futebol.
Aparentemente, são os modelos imitados pelos garotos, mas também eles estão imitando alguém. E volta e meia um astro se deixa filmar ou fotografar com mulheres e parece estar mais fazendo tipo do que se divertindo; volta e meia um arrebenta o carro de madrugada, como tantos anônimos exibidos.
É muito intrigante que um sujeito admirado por milhões de pessoas, próximas ou distantes, por obra de prodígios muito mais raros e espantosos do que pisar fundo em um carro importado, ainda queira se afirmar dessa maneira.
Mas é claro que não é racional; ele não pensa ""preciso me impor como macho e esse é o melhor jeito". É mais provável que diga ""sou como sou e vão ter de me aceitar assim". Mentira... ""Quero ser aceito", isso sim aceito em determinado clube, o dos ""rebeldes" e ""independentes", com suas regras bobas.
Mas mentir para si mesmo é uma das trapaças mais difíceis de desfazer; por isso há detetives especializados em desvendar o truque. Adriano, garoto que mal saiu da favela ficou rico, tem problemas que não é capaz de resolver sozinho.
Já é tão rodado, mas é só dois anos mais velho que a minha filha!
Desconfio que ele precisa de algo além de força de vontade (imprescindível), multa e bronca (bem-vindas, as duas). Agora quer ser chamado de novo de Imperador, talvez seja bom sinal. Esse título ele ganhou jogando bola, e só sendo o maioral em campo conseguirá mantê-lo.
Que seja mesmo o seu desejo.

soninha.folha@uol.com.br


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