São Paulo, sábado, 03 de abril de 2004

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MOTOR

O fusca

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Um grupo de crianças. Bicicletas largadas na calçada, preteridas por uma partida de taco, provavelmente mais espetacular que final de Copa. De repente, o fusca, imaculadamente branco, novo em folha, virou a esquina. Passou devagar, em respeito ao jogo, às latas. Reconheci meu pai ao volante, gritei e saí correndo.
A turma veio junto. Perseguimos o carro como vira-latas. Não havia nada no fusca que denunciasse a novidade, apenas o cheiro. Estacionado, alguém finalmente observou: "Olha, sai uma agüinha do escapamento". A novidade do dia, da semana, do ano era um prosaico carro a álcool.
Novidade porque não existia. Meses antes, era apenas mais uma das sandices do governo, dividido entre o milagre econômico e a brutal crise mundial do petróleo. Literalmente a toque de caixa, o país fora atrás das chamadas fontes alternativas, e o álcool de cana virou combustível, marco da tecnologia nacional. O Brasil dava certo, mesmo que fosse necessário esquentar o motor.
Meu pai trabalhava em uma montadora no ABC, pegara o carro para testar. Passamos quatro dias com o fusca, um feriado, sem ter onde abastecer e obrigados a explicar, em todos os lugares, o afogador, a agüinha, a corrosão.
Nunca vou esquecer isso, assim como nunca vou esquecer que cada jogo da Copa começava com o infalível "imagens via Embratel". Nunca me esquecerei do sesquicentenário da Independência e do cavalo de um dos dragões que fez o maior cocô que já tinha visto.
Nesse universo paralelo, onde se ignorava porões, tortura ou ditadura, uma das maiores atrações foi seguramente o Copersucar, o primeiro carro da equipe de F-1 montada pelos irmãos Fittipaldi. A idéia já parecia absurda naquele tempo, mas vingou, com a ajuda da então estatal Embraer e da empresa que vaticinou um futuro internacional para o álcool.
O carro teve um começo difícil, mas decolou aos trancos e barrancos depois que Emerson abandonou sua carreira de bicampeão e contratos milionários -uma porrada na F-1 da época. O ápice foi o GP Brasil de 1978, no Rio, quando chegou em segundo lugar. Foi algo como a primeira vitória de Senna em Interlagos.
A equipe ruiu logo no começo dos 80, por falta de patrocínio e, para muitos, competência administrativa. Nesta semana, ao anunciar a restauração do pioneiro FD-01, Wilson Fittipaldi afirmou que o país "não entendeu" a grande aventura e que ela deu certo pelo menos enquanto durou. É mais fácil acreditar que os Fittipaldi surfaram nos vagalhões do progresso fabricado pelos militares e que um belo dia a brincadeira acabou. Não apenas a deles, mas a de um país.
Acordei um pouco antes. Naquele mesmo 78, durante outro jogo, outra emocionante final de Copa, na verdade uma rápida partida de futebol no curto recreio do colégio. Chutei ao gol, e a bola entrou com enorme facilidade. O goleiro olhava para o céu.
De um verde helicóptero, soldados apontavam metralhadoras. Não para nós, mas para a igreja ao lado. Tinha um barbudo lá fazendo greve. Descobri o Brasil.

Senna
Está explicado o medo da F-1 com as regras do direito comunitário na Europa, aquelas que fizeram Max Mosley se mudar para Mônaco. Antes, Frank Williams poderia deixar de pisar na Itália para evitar transtornos com a Justiça local. Agora, não escapa nem em casa.

McLaren
Na terceira corrida do ano, Raikkonen, a primeira vítima do motor longa vida, joga a toalha. E o time de Ron Dennis desce a ladeira.

Zonta
Em pista nova, piloto reserva na pista. Para escolher os pneus, a Toyota colocou Ricardo Zonta para rodar nada menos que 48 voltas ontem. Acabou sendo mais rápido que os titulares Da Matta e Panis.

E-mail mariante@uol.com.br


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