São Paulo, sexta-feira, 03 de maio de 2002

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Com documentos e imagens, estudo derruba história da 1ª partida no país

SP jogou futebol antes de Mr. Miller aparecer

JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

A paternidade do futebol brasileiro está em xeque.
Apesar de a introdução da modalidade no país ser até hoje atribuída a Charles Miller, que teria voltado da Inglaterra, em 1894, com duas bolas embaixo dos braços e uniformes para os 22 jogadores, um estudo mostra que o esporte já era praticado no Brasil alguns anos antes.
Arquivos do Colégio São Luís de Itu, do D. Pedro 2º e do Petrópolis, por exemplo, indicam que o futebol fazia parte do planejamento anual das instituições pelo menos cinco anos antes do retorno de Charles Miller ao Brasil.
Foi o que constatou o historiador José Moraes dos Santos Neto, 37, professor da PUC de Campinas e autor de ""Visão do Jogo -Primórdios do Futebol no Brasil", livro que está sendo lançado pela editora Cosac & Naif.
""Diários dos anos letivos, fotografias datadas e registros dos diretores e padres que também eram professores comprovam que o futebol era uma atividade recreativa dos colégios entre os anos de 1880 e 1890", afirmou.
""O futebol foi incentivado pelos jesuítas nos anos 80 do século 19, quando Charles Miller nem estava no Brasil. O Colégio São Luís de Itu é um exemplo. José Mantero [que depois seria reitor da instituição" estabeleceu um conjunto de práticas esportivas, que incluíam o futebol, aos estudantes".
Para Santos Neto, ""o pioneirismo de Miller reside no fato de ter iniciado a prática do esporte dentro de um clube, um segundo momento do processo de introdução do futebol no país". ""Saiu dos colégios, assumiu um caráter explicitamente competitivo [suas regras passaram a ser mais difundidas" e ganhou a posição de esporte preferido da elite paulistana."
A discussão sobre a origem do futebol brasileiro não é nova. O próprio Thomaz Mazzoni, autor de ""História do Futebol Brasileiro", uma das obras mais conhecidas sobre o início do esporte no país, chegou a citar, em artigos de jornais, a prática do futebol não só em colégios, mas também por ferroviários e marinheiros antes da volta de Miller ao Brasil. Apesar disso, não chegou a questionar a ""paternidade do futebol".
Para Santos Neto, uma das explicações para a manutenção do mito de que foi Charles Miller quem o introduziu é que, enquanto atividade restrita a colégios ou a funcionários de ferrovias, não tinha atenção da mídia.
Em abril de 1894, quando os altos escalões da Gas Work e da São Paulo Railway se enfrentaram, a história foi diferente. O jogo -da elite- despertou atenção e passou a ser considerado o ponto de partida do futebol brasileiro.
Além da questão da mídia, outro fator que teria contribuído para manter o mito foi o fato de os primeiros arquivos sistematizados terem vindo dos clubes e das ligas que os reuniam, não das escolas. Além de que a ""idéia da paternidade envolvendo um membro da elite européia há de ter correspondido aos nossos recalques terceiro-mundistas, na época ainda mais fortes que hoje."
Filho de um escocês e de uma brasileira descendente de ingleses, Miller (1874-1953), que nasceu em São Paulo, fazia parte da elite paulistana. Estudou na Banister Court School, na Inglaterra, onde aprendeu o futebol.
Quando retornou ao Brasil, além de divulgar o futebol entre os paulistas, ajudou sua mulher, Antonietta Rudge, a se tornar a primeira pianista brasileira reconhecida internacionalmente. Foi com a ajuda de Miller que Rudge, que mais tarde se casaria com o poeta Menotti del Picchia, fez sua primeira turnê européia, em 1907.
No futebol brasileiro, sua influência continua forte até hoje. Exímio driblador, foi ele quem deu origem ao termo chaleira, usado para designar a jogada em que o atleta trança as pernas e acerta a bola com o pé trocado.


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