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JOSÉ GERALDO COUTO
Os bezerrões
Como outros astros denossa época, Ronaldoparece não ser conseqüente com os próprios desejos
ALGUÉM JÁ disse (possivelmente eu) que Ronaldo, o Fenômeno, é uma esfinge que nos
desafia permanentemente à interpretação. Como toda celebridade
com alguma consistência e perenidade (excluo as descartáveis e intercambiáveis estrelas instantâneas do
BBB e congêneres), Ronaldo reúne
em si as nossas mais diversas projeções, temores, desejos e carências.
Em vista disso, os comentários sobre sua personalidade e seu comportamento acabam revelando muito mais sobre quem os emite do que
sobre ele próprio. O episódio envolvendo o jogador com três travestis
num motel da Barra da Tijuca deu
margem a um sem-número de sermões moralistas e piadas grosseiras.
Na contramão da onda preconceituosa reinante, Barbara Gancia e Xico Sá publicaram ontem na Folha
crônicas deliciosas sobre o evento.
Os dois textos têm abordagens
quase opostas. Barbara viu o fato
sob o prisma das fraquezas humanas, dizendo que teve vontade de
pegar no colo o rapaz flagrado em
situação constrangedora. Já Xico
elevou Ronaldo à categoria de herói dionisíaco, colocando-o no panteão com Garrincha e Maradona.
Ambos têm razão, claro, mas é
preciso matizar as coisas. O que me
desagrada em Ronaldo não é um
eventual excesso na balada ou um
descuido ocasional na preparação
física (como na Copa de 2006).
Não me incomoda tampouco a
imagem de bom moço que ele cultivou como embaixador do Unicef
e garoto-propaganda da Parmalat e
da Nike. Nem a frivolidade que o
levou a se casar num castelo, comprar Ferraris de US$ 500 milhões e
dizer que "mala é coisa de pobre,
porque rico compra tudo onde chega". O que me incomoda é a tentativa dele de conciliar tudo isso, de
agradar a todos, de não assumir nenhuma de suas facetas até o fim.
Vai até um ponto e depois volta para o extremo oposto.
No episódio dos travestis, em vez
de dizer "A vida é minha e ninguém
tem nada a ver com isso", tentou
alegar que foi enganado (levou só
três horas para descobrir que não
eram mulheres) e depois foi se refugiar na casa da mãe.
Uma figura de fato trágica e dionisíaca, como George Best, Paul
Gascoigne ou Maradona, ou mesmo um personagem macunaímico
como Romário ou Paulo Cézar Caju, certamente teria outra reação.
Mas não é Ronaldo, como atleta
ou indivíduo, que me inquieta, e
sim o que ele revela sobre nossa
época, de ídolos infantilizados e vazios, que parecem passar pela vida
sem ganhar estofo e experiência.
George Best (1946-2005), driblador genial e "bon vivant" incorrigível, disse uma vez uma frase lapidar: "Gastei muito dinheiro com
bebidas, mulheres e carros velozes.
O resto eu desperdicei". Eis um sujeito coerente com o seu desejo.
O problema, em suma, não é a
tendência festeira e boêmia de alguns dos nossos craques mais reluzentes, mas sim a sua falta de maturidade para ser alguém com personalidade própria, sem se importar com o que assessores, publicitários, mídia e torcida vão pensar.
É conhecido o conselho de Nelson Rodrigues aos jovens: "Envelheçam!". Talvez possamos dizer a
esses garotos crescidos: "Virem
adultos!".
jgcouto@uol.com.br
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