São Paulo, sábado, 03 de maio de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Os bezerrões

Como outros astros denossa época, Ronaldoparece não ser conseqüente com os próprios desejos

ALGUÉM JÁ disse (possivelmente eu) que Ronaldo, o Fenômeno, é uma esfinge que nos desafia permanentemente à interpretação. Como toda celebridade com alguma consistência e perenidade (excluo as descartáveis e intercambiáveis estrelas instantâneas do BBB e congêneres), Ronaldo reúne em si as nossas mais diversas projeções, temores, desejos e carências.
Em vista disso, os comentários sobre sua personalidade e seu comportamento acabam revelando muito mais sobre quem os emite do que sobre ele próprio. O episódio envolvendo o jogador com três travestis num motel da Barra da Tijuca deu margem a um sem-número de sermões moralistas e piadas grosseiras.
Na contramão da onda preconceituosa reinante, Barbara Gancia e Xico Sá publicaram ontem na Folha crônicas deliciosas sobre o evento.
Os dois textos têm abordagens quase opostas. Barbara viu o fato sob o prisma das fraquezas humanas, dizendo que teve vontade de pegar no colo o rapaz flagrado em situação constrangedora. Já Xico elevou Ronaldo à categoria de herói dionisíaco, colocando-o no panteão com Garrincha e Maradona.
Ambos têm razão, claro, mas é preciso matizar as coisas. O que me desagrada em Ronaldo não é um eventual excesso na balada ou um descuido ocasional na preparação física (como na Copa de 2006).
Não me incomoda tampouco a imagem de bom moço que ele cultivou como embaixador do Unicef e garoto-propaganda da Parmalat e da Nike. Nem a frivolidade que o levou a se casar num castelo, comprar Ferraris de US$ 500 milhões e dizer que "mala é coisa de pobre, porque rico compra tudo onde chega". O que me incomoda é a tentativa dele de conciliar tudo isso, de agradar a todos, de não assumir nenhuma de suas facetas até o fim. Vai até um ponto e depois volta para o extremo oposto.
No episódio dos travestis, em vez de dizer "A vida é minha e ninguém tem nada a ver com isso", tentou alegar que foi enganado (levou só três horas para descobrir que não eram mulheres) e depois foi se refugiar na casa da mãe.
Uma figura de fato trágica e dionisíaca, como George Best, Paul Gascoigne ou Maradona, ou mesmo um personagem macunaímico como Romário ou Paulo Cézar Caju, certamente teria outra reação.
Mas não é Ronaldo, como atleta ou indivíduo, que me inquieta, e sim o que ele revela sobre nossa época, de ídolos infantilizados e vazios, que parecem passar pela vida sem ganhar estofo e experiência.
George Best (1946-2005), driblador genial e "bon vivant" incorrigível, disse uma vez uma frase lapidar: "Gastei muito dinheiro com bebidas, mulheres e carros velozes.
O resto eu desperdicei". Eis um sujeito coerente com o seu desejo.
O problema, em suma, não é a tendência festeira e boêmia de alguns dos nossos craques mais reluzentes, mas sim a sua falta de maturidade para ser alguém com personalidade própria, sem se importar com o que assessores, publicitários, mídia e torcida vão pensar.
É conhecido o conselho de Nelson Rodrigues aos jovens: "Envelheçam!". Talvez possamos dizer a esses garotos crescidos: "Virem adultos!".


jgcouto@uol.com.br

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