São Paulo, quinta-feira, 03 de junho de 2010

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Seleção dá força a Mugabe

Há 30 anos no poder, ditador usa amistoso como palco político ao lotar estádio com quase 60 mil simpatizantes e descer ao gramado para cumprimentar Kaká

Andre Penner/Associated Press
O atacante Robinho comemora seu gol, o segundo brasileiro no jogo de ontem

Zimbábue 0
Brasil 3
Michel Bastos, aos 41min, e
Robinho, aos 44min do 1º tempo;
Elano, aos 11min do 2º tempo

FÁBIO ZANINI
PAULO COBOS
MARTÍN FERNANDEZ

ENVIADOS ESPECIAIS A HARARE (ZIMBÁBUE)

O resultado, uma vitória por 3 a 0, logo será esquecido. Mas o "abraço" em um dos mais sanguinários ditadores africanos vai ficar na história da seleção brasileira.
Em Harare, a capital, o time de Dunga fez a festa para Robert Mugabe, 86, que com mão de ferro preside o Zimbábue há 30 anos.
O amistoso, o primeiro na reta final de preparação para a Copa da África, deu ares de legitimidade para um regime enfraquecido tanto internamente quanto no exterior.
Com a parte nobre do estádio lotada por simpatizantes, e com ponto facultativo dado aos funcionários públicos (os maiores candidatos a comprar os ingressos mais baratos, a US$ 10), Mugabe foi ovacionado quando entrou em campo, com uma bandeirinha do Zimbábue em mãos, antes de a bola rolar.
Ao lado da mulher, Grace, percorreu um quarto da pista de atletismo vibrando e acenando para os torcedores.
Ofuscou nesse momento o primeiro-ministro, Morgan Tsvangirai, seu maior opositor, com quem hoje forma uma frágil coalizão. Tsvangirai entrou no gramado de forma mais discreta, descendo da tribuna de honra.
Houve ontem ecos da excursão do Santos de Pelé em 1967, que parou uma guerra na Nigéria. No Zimbábue, a seleção deu ao país um raro momento de trégua política entre dois personagens que dividem o Executivo mas se sabotam mutuamente.
Coadjuvante na festa de Mugabe, restou a Tsvangirai postar-se ao lado do ditador e até trocar algumas palavras com ele. À Folha durante o intervalo, o primeiro-ministro contemporizou: "É um dia de festa para o país. Não vamos tratar de política".
A seleção ainda associou a imagem de alguns jogadores mais famosos do mundo ao ditador. Mugabe entrou em campo e cumprimentou os titulares de Dunga, incluindo Kaká, único mais aplaudido que ele pelos quase 60 mil torcedores na arena.
Remodelado com dinheiro chinês, o Estádio Nacional exibiu o desfile do presidente em um moderno telão.
Antes, Mugabe pressionou, sem sucesso, para levar Dunga e seus atletas a um encontro na sede do governo.
Ao site da CBF Dunga disse que "foi bonito ver as pessoas tão felizes nas ruas e no estádio". "Isso é prova de quanto a seleção é querida e respeitada no mundo."
Na tribuna de honra, Mugabe e Tsvangirai sentaram- -se separados por um ministro. De óculos escuros, o presidente assistiu ao jogo afundado numa poltrona.
Mesmo com uma relativa abertura política que a coalizão trouxe ao país, a repressão comandada por Mugabe continua. Em recente relatório, a ONG Human Rights Watch afirmou que "no último ano, 15 jornalistas foram ameaçados, detidos arbitrariamente ou agredidos pelas forças de segurança".
A seleção faz ainda outro amistoso antes da estreia na Copa, no dia 15 de junho. Na segunda, uma outra viagem pela África, mas para a Tanzânia, uma democracia.


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