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FUTEBOL
Velho mundo novo
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Depois de gastar 3.907 dólares australianos em ingressos aqui em Sydney (graças ao
bom Deus, não pagos por mim) e
de ler o instrutivo "Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga", de Lauret Godoy, pude comprovar que
muitos comportamentos seguem
bastante parecidos com os de
3.000 anos atrás. Por exemplo, no
livro está escrito:
"Um mês antes dos Jogos, uma
loucura coletiva percorria a Grécia. Os afazeres eram suspensos, e
milhares de pessoas de todas as
condições sociais e idades afluíam
de barco, a cavalo, a pé, por estradas, caminhos e atalhos."
E o que aconteceu foi que:
Ninguém chegou aqui a pé ou a
cavalo, mas o aeroporto ficou
congestionado com tantos pousos
e decolagens. Deram-se férias escolares durante as três semanas
dos Jogos, e, quanto à loucura coletiva, a Olimpíada foi o assunto
do mundo por duas semanas.
"Primeiro chegavam os atletas e
depois as delegações oficiais das
cidades. Dirigidas pelas principais autoridades, traziam sempre
abundantes presentes."
Cartolas, curiosos e desocupados é o que não faltou por aqui.
Mas não ouvi falar que tivessem
trazido presentes; pelo contrário,
acho que levaram desde toalhas
de hotel a chaveirinhos e suvenires furtados de lojas.
"Comerciantes vendiam peixes,
carnes, frutas, nozes, vinho etc.
Havia instalação de barracas onde eram vendidas peças de cerâmica, madeira, bronze, miniaturas de imagens dos deuses."
É outra coisa que continua
igual. Havia um monte de tendas
espalhadas pela cidade e, no Parque Olímpico, ficava uma gigantesca superstore que vendeu mais
de US$ 10 milhões em bobagens.
Havia também várias barraquinhas de comidas. Algumas até
são atraentes para os olhos, mas
prometem uma madrugada de
infelicidades gastrointestinais.
"Muitos ansiavam pelo aplauso, e às vezes a ânsia de notoriedade beirava o ridículo. Zêuxis,
um dos ilustres pintores da Grécia, foi alvo de zombarias por ter-se apresentado com uma rica vestimenta tendo às costas o seu nome bordado em letras de ouro."
Não são poucos os que desfilavam e estavam por aqui só para
serem fotografados. Umas loiras
famosas brasileiras andavam
com séquitos pelos ginásios, mas
não se importaram muito com os
Jogos. A vaidade é como as cabeças da Hidra de Lerna: imortal.
"Embora o festival fosse realizado na época mais quente do ano,
era proibido cobrir a cabeça. A
longa exposição ao sol acarretava
sérios problemas físicos. Tales de
Mileto, filósofo, matemático, físico, astrônomo e um dos fundadores da ciência grega, morreu de
insolação em Olímpia."
Pelo menos isso não é mais assim. Agora vendem-se bonés.
Enfim, quanto mais as coisas
evoluem, mais permanecem
iguais. Como dizia minha avó: as
cabeças são sempre as mesmas, só
o que muda é o chapéu. Ou, no
caso, o boné.
Uma viagem deve ser sempre
um aprendizado. E essa não foi
diferente. Nos quase 30 dias que
fiquei longe, muitas foram as lições que recebi, verdadeiras pérolas de sabedoria, chinelos de filosofia que me ajudarão nessa dura
caminhada por entre as penhas
da vida. Por exemplo:
-Numa fila, nunca comente
com um colega as formas da senhorita à frente. Ela também pode falar português. E pode saber
muitos palavrões.
-Cerimônias de abertura e encerramento de Olimpíada ficam
melhor na TV. E são de graça.
-Numa viagem, leve sempre
muitas cuecas.
-Spice quer dizer apimentado.
Very spice significa "só coma com
um extintor ao lado".
-Quando uma moça responde
see you later, que literalmente significa "vejo você depois", ela está
apenas se despedindo, não querendo marcar um encontro. E
nem adianta insistir.
-Há outros esportes além de
futebol. Basquete, atletismo, natação e vôlei podem ser grandes
espetáculos. Ainda mais se a
transmissão for boa e o local da
prova, decente.
-E, principalmente, aprendi
que o importante é competir. Mas
vencer é que dá bons contratos de
publicidade.
E-mail torero@uol.com.br
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