São Paulo, terça-feira, 03 de outubro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FUTEBOL
Velho mundo novo

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de gastar 3.907 dólares australianos em ingressos aqui em Sydney (graças ao bom Deus, não pagos por mim) e de ler o instrutivo "Os Jogos Olímpicos na Grécia Antiga", de Lauret Godoy, pude comprovar que muitos comportamentos seguem bastante parecidos com os de 3.000 anos atrás. Por exemplo, no livro está escrito:
"Um mês antes dos Jogos, uma loucura coletiva percorria a Grécia. Os afazeres eram suspensos, e milhares de pessoas de todas as condições sociais e idades afluíam de barco, a cavalo, a pé, por estradas, caminhos e atalhos."
E o que aconteceu foi que:
Ninguém chegou aqui a pé ou a cavalo, mas o aeroporto ficou congestionado com tantos pousos e decolagens. Deram-se férias escolares durante as três semanas dos Jogos, e, quanto à loucura coletiva, a Olimpíada foi o assunto do mundo por duas semanas.
"Primeiro chegavam os atletas e depois as delegações oficiais das cidades. Dirigidas pelas principais autoridades, traziam sempre abundantes presentes."
Cartolas, curiosos e desocupados é o que não faltou por aqui. Mas não ouvi falar que tivessem trazido presentes; pelo contrário, acho que levaram desde toalhas de hotel a chaveirinhos e suvenires furtados de lojas.
"Comerciantes vendiam peixes, carnes, frutas, nozes, vinho etc. Havia instalação de barracas onde eram vendidas peças de cerâmica, madeira, bronze, miniaturas de imagens dos deuses."
É outra coisa que continua igual. Havia um monte de tendas espalhadas pela cidade e, no Parque Olímpico, ficava uma gigantesca superstore que vendeu mais de US$ 10 milhões em bobagens. Havia também várias barraquinhas de comidas. Algumas até são atraentes para os olhos, mas prometem uma madrugada de infelicidades gastrointestinais.
"Muitos ansiavam pelo aplauso, e às vezes a ânsia de notoriedade beirava o ridículo. Zêuxis, um dos ilustres pintores da Grécia, foi alvo de zombarias por ter-se apresentado com uma rica vestimenta tendo às costas o seu nome bordado em letras de ouro."
Não são poucos os que desfilavam e estavam por aqui só para serem fotografados. Umas loiras famosas brasileiras andavam com séquitos pelos ginásios, mas não se importaram muito com os Jogos. A vaidade é como as cabeças da Hidra de Lerna: imortal.
"Embora o festival fosse realizado na época mais quente do ano, era proibido cobrir a cabeça. A longa exposição ao sol acarretava sérios problemas físicos. Tales de Mileto, filósofo, matemático, físico, astrônomo e um dos fundadores da ciência grega, morreu de insolação em Olímpia."
Pelo menos isso não é mais assim. Agora vendem-se bonés.
Enfim, quanto mais as coisas evoluem, mais permanecem iguais. Como dizia minha avó: as cabeças são sempre as mesmas, só o que muda é o chapéu. Ou, no caso, o boné. Uma viagem deve ser sempre um aprendizado. E essa não foi diferente. Nos quase 30 dias que fiquei longe, muitas foram as lições que recebi, verdadeiras pérolas de sabedoria, chinelos de filosofia que me ajudarão nessa dura caminhada por entre as penhas da vida. Por exemplo:
-Numa fila, nunca comente com um colega as formas da senhorita à frente. Ela também pode falar português. E pode saber muitos palavrões.
-Cerimônias de abertura e encerramento de Olimpíada ficam melhor na TV. E são de graça.
-Numa viagem, leve sempre muitas cuecas.
-Spice quer dizer apimentado. Very spice significa "só coma com um extintor ao lado".
-Quando uma moça responde see you later, que literalmente significa "vejo você depois", ela está apenas se despedindo, não querendo marcar um encontro. E nem adianta insistir.
-Há outros esportes além de futebol. Basquete, atletismo, natação e vôlei podem ser grandes espetáculos. Ainda mais se a transmissão for boa e o local da prova, decente.
-E, principalmente, aprendi que o importante é competir. Mas vencer é que dá bons contratos de publicidade.
E-mail torero@uol.com.br



Texto Anterior: CBAt anuncia prêmio para velocistas do revezamento
Próximo Texto: Olimpíada: Brasil não é nem potência sul-americana
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.