São Paulo, domingo, 03 de dezembro de 2006

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Chávez banca e manipula o esporte

Presidente venezuelano, que tenta reeleição hoje, dá R$ 1,1 bilhão ao setor, bate Brasil e usa títulos para se promover

Investimento atrai técnicos de mais de 20 países, faz esportistas decolarem no cenário internacional e traça colocação top 5 no Pan-07

GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL

Nestór Nieves vai rememorar os apuros que viveu nos primórdios de sua carreira como atleta quando depositar seu voto na eleição da Venezuela.
Atual campeão pan-americano dos 3.000 m com obstáculos, o corredor chegou a ser ridicularizado por rivais em competições internacionais. Seus equipamentos eram precários. Sua técnica, defasada.
Uma situação que quase o fez desistir, relata, mas mudou de forma brusca com a chegada de Hugo Chávez à Presidência, em 1999. Não por acaso, Nieves quer reeleger hoje aquele que batiza de "comandante".
Tanta reverência ajuda a ilustrar uma política de incentivo público ao esporte conduzida com cifras impressionantes, que retirou a Venezuela da condição de saco de pancadas continental e deu munição ao discurso populista de Chávez.
Progressivo desde a chegada do atual presidente, o investimento em esporte alcançou um recorde em 2006. No total, US$ 510 milhões foram destinados pelo governo ao setor, montante equivalente a R$ 1,1 bilhão. Há também um fundo de US$ 700 milhões (R$ 1,5 bilhão) para financiar as obras da Copa América, torneio de futebol que o país recebe em 2007.
Os valores são surpreendentes até para nações como o Brasil, cuja população é seis vezes maior que a do vizinho. O orçamento do Ministério do Esporte neste ano, somado aos repasses das loterias aos cofres dos comitês olímpico e paraolímpico, atinge R$ 964 milhões.
"O presidente elegeu o esporte como setor estratégico e colocou o Estado à disposição para nos ajudar a crescer", explica à Folha Eduardo Álvares Camacho. É ele quem comanda o Comitê Olímpico Venezuelano, o Instituto Nacional de Deportes e, a partir de 2007, o recém-criado Ministério dos Esportes -até o fim do ano, a pasta está vinculada à Educação.
A estratégia concebida para fazer o país decolar é curiosa. Em parte, está baseada no modelo que consagrou Cuba como potência esportiva no pós-revolução, com incremento da carga horária de educação física nas escolas e construção de centros de formação para garimpar jovens talentos.
A diferença em relação ao projeto idealizado por Fidel Castro aparece na importância dada ao conhecimento que vem de fora. "Não podemos ser auto-suficientes como os cubanos. Então, fomos buscar técnicos em mais de 21 países. Temos mais de 120 estrangeiros ajudando a lapidar nossas revelações", relata Camacho.
Dinheiro para custear tantos profissionais não falta. Do orçamento destinado ao esporte, R$ 300 milhões são dedicados exclusivamente à preparação de atletas de elite. É o suficiente para fazer o país sonhar alto.
"Como o Brasil, também queremos ganhar posições no quadro de medalhas no Pan de 2007. Temos condições de ficar entre os cinco primeiros, com mais de 20 medalhas de ouro", diz Víctor Vargas, diretor de alto rendimento do Instituto Nacional de Deportes.
Sua profecia pode parecer pretensiosa, mas encontra base em resultados recentes. Em 2003, no primeiro Pan disputado após Chávez chegar ao poder, a Venezuela terminou em sexto. Os atletas pisaram 16 vezes no lugar mais alto do pódio.
Nestór Nieves, que abre esta reportagem, foi um dos vencedores. Além dos salários que sua classe passou a receber -variam de R$ 1.000 a R$ 2.800-, o corredor conta que outros privilégios foram criados. "Se precisamos de algo, basta pedir aos dirigentes. Tive colegas que desejavam uma geladeira e ganharam. Outros requisitaram ajuda para financiar a casa e foram atendidos."
Tal estilo paternalista, aliado aos milhões obtidos com o petróleo, ainda não redundaram nos dois principais desejos dos cartolas: uma medalha olímpica dourada, feito obtido só uma vez, nos Jogos da Cidade do México-1968, e a primeira participação do futebol venezuelano em uma Copa do Mundo.
Especialistas, todavia, acreditam que a real motivação de Chávez para despender tanta verba na área vai além da oportunidade de romper tabus em campos, quadras ou piscinas.
O esporte, para o economista Luiz Zambrano, da Universidade Católica Andrés Bello, é uma ferramenta política que o presidente manipula para perpetuar sua trajetória no poder.
"É tudo uma questão de imagem. Chávez quer mostrar uma Venezuela diferente, que evolui rápido e com vigor. O esporte é um meio eficaz para passar tal mensagem. Claro que o setor merece investimento, mas nosso país tem outras deficiências, muitas mais graves e urgentes, que deveriam receber mais atenção das autoridades."


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