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Chávez banca e manipula o esporte
Presidente venezuelano, que tenta reeleição hoje, dá R$ 1,1 bilhão ao setor, bate Brasil e usa títulos para se promover
Investimento atrai técnicos de mais de 20 países, faz esportistas decolarem no cenário internacional e traça colocação top 5 no Pan-07
GUILHERME ROSEGUINI
DA REPORTAGEM LOCAL
Nestór Nieves vai rememorar os apuros que viveu nos primórdios de sua carreira como
atleta quando depositar seu voto na eleição da Venezuela.
Atual campeão pan-americano dos 3.000 m com obstáculos, o corredor chegou a ser ridicularizado por rivais em
competições internacionais.
Seus equipamentos eram precários. Sua técnica, defasada.
Uma situação que quase o fez
desistir, relata, mas mudou de
forma brusca com a chegada de
Hugo Chávez à Presidência, em
1999. Não por acaso, Nieves
quer reeleger hoje aquele que
batiza de "comandante".
Tanta reverência ajuda a
ilustrar uma política de incentivo público ao esporte conduzida com cifras impressionantes, que retirou a Venezuela da
condição de saco de pancadas
continental e deu munição ao
discurso populista de Chávez.
Progressivo desde a chegada
do atual presidente, o investimento em esporte alcançou um
recorde em 2006. No total, US$
510 milhões foram destinados
pelo governo ao setor, montante equivalente a R$ 1,1 bilhão.
Há também um fundo de US$
700 milhões (R$ 1,5 bilhão) para financiar as obras da Copa
América, torneio de futebol que
o país recebe em 2007.
Os valores são surpreendentes até para nações como o Brasil, cuja população é seis vezes
maior que a do vizinho. O orçamento do Ministério do Esporte neste ano, somado aos repasses das loterias aos cofres dos
comitês olímpico e paraolímpico, atinge R$ 964 milhões.
"O presidente elegeu o esporte como setor estratégico e colocou o Estado à disposição para nos ajudar a crescer", explica
à Folha Eduardo Álvares Camacho. É ele quem comanda o
Comitê Olímpico Venezuelano, o Instituto Nacional de Deportes e, a partir de 2007, o recém-criado Ministério dos Esportes -até o fim do ano, a pasta está vinculada à Educação.
A estratégia concebida para
fazer o país decolar é curiosa.
Em parte, está baseada no modelo que consagrou Cuba como
potência esportiva no pós-revolução, com incremento da
carga horária de educação física nas escolas e construção de
centros de formação para garimpar jovens talentos.
A diferença em relação ao
projeto idealizado por Fidel
Castro aparece na importância
dada ao conhecimento que
vem de fora. "Não podemos ser
auto-suficientes como os cubanos. Então, fomos buscar técnicos em mais de 21 países. Temos mais de 120 estrangeiros
ajudando a lapidar nossas revelações", relata Camacho.
Dinheiro para custear tantos
profissionais não falta. Do orçamento destinado ao esporte,
R$ 300 milhões são dedicados
exclusivamente à preparação
de atletas de elite. É o suficiente para fazer o país sonhar alto.
"Como o Brasil, também
queremos ganhar posições no
quadro de medalhas no Pan de
2007. Temos condições de ficar
entre os cinco primeiros, com
mais de 20 medalhas de ouro",
diz Víctor Vargas, diretor de alto rendimento do Instituto Nacional de Deportes.
Sua profecia pode parecer
pretensiosa, mas encontra base
em resultados recentes. Em
2003, no primeiro Pan disputado após Chávez chegar ao poder, a Venezuela terminou em
sexto. Os atletas pisaram 16 vezes no lugar mais alto do pódio.
Nestór Nieves, que abre esta
reportagem, foi um dos vencedores. Além dos salários que
sua classe passou a receber
-variam de R$ 1.000 a R$
2.800-, o corredor conta que
outros privilégios foram criados. "Se precisamos de algo,
basta pedir aos dirigentes. Tive
colegas que desejavam uma geladeira e ganharam. Outros requisitaram ajuda para financiar a casa e foram atendidos."
Tal estilo paternalista, aliado
aos milhões obtidos com o petróleo, ainda não redundaram
nos dois principais desejos dos
cartolas: uma medalha olímpica dourada, feito obtido só uma
vez, nos Jogos da Cidade do
México-1968, e a primeira participação do futebol venezuelano em uma Copa do Mundo.
Especialistas, todavia, acreditam que a real motivação de
Chávez para despender tanta
verba na área vai além da oportunidade de romper tabus em
campos, quadras ou piscinas.
O esporte, para o economista
Luiz Zambrano, da Universidade Católica Andrés Bello, é
uma ferramenta política que o
presidente manipula para perpetuar sua trajetória no poder.
"É tudo uma questão de imagem. Chávez quer mostrar uma
Venezuela diferente, que evolui rápido e com vigor. O esporte é um meio eficaz para passar
tal mensagem. Claro que o setor merece investimento, mas
nosso país tem outras deficiências, muitas mais graves e urgentes, que deveriam receber
mais atenção das autoridades."
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