São Paulo, domingo, 04 de fevereiro de 2007

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Por esporte, mulheres enfrentam homens

Competidoras de elite sofrem para achar oponentes à altura no Brasil

"Lutar com meninos é uma forma de me motivar. Eu me desenvolvo mais", afirma Natália Falavigna, campeã mundial de taekwondo

MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Natália Falavigna já viu a cena se repetir várias vezes. Chega às competições e nem sequer precisa entrar no tatame para ganhar a medalha de ouro. Adversárias não aparecem ou não querem lutar com ela.
O Brasil não tem hoje atletas de seu nível. Campeã brasileira e mundial de taekwondo, a atleta precisa viajar ao exterior para enfrentar rivais à altura.
"É um pouco frustrante ganhar sem lutar. Gosto de treinar, mas tenho que sentir a sensação da luta", diz Natália, 22.
Espalhadas pelo país, atletas de diversas modalidades sofrem com a falta de rivais fortes e até de companheiras que acompanhem seus treinos.
Para manter o nível, têm de trabalhar com homens. E, em muitos casos, é contra eles que saem em busca de seus troféus.
Karen Jones, 22, conhece como poucas essa realidade. Campeã mundial de skate vertical (disputado em pista em "u"), a brasileira é cultuada fora do país. Em sua terra natal, porém, é sempre o "corpo estranho" nos torneios masculinos.
"Só enfrento meninas lá fora. Contra elas, tenho a responsabilidade de ganhar e ganhar bem. Contra os caras, não tenho tanto compromisso. Se não ficar em último, ótimo", brinca.
Karen sofre com o mesmo problema de atletas que praticam lutas. Ainda existe o preconceito de que certas modalidades não são para mulheres.
Liliane Oliveira tem 18 anos e treina boxe há seis. Com 1,49 m, pés 33 e sorriso maroto, aparenta fragilidade. Mas dificilmente encontra rivais que queiram encará-la no ringue.
"Temos de pegar meninas de duas ou três categorias acima", diz o técnico Marcos Macedo.
"Ainda há preconceito. Várias mulheres buscam boxe para malhar o corpo, mas são poucas as que aceitam se aventurar a subir no ringue e competir."
Encontrar garotos para treinar com Liliane também é complicado, e a procura demanda muita sensibilidade.
Raramente o cenário é diferente: ou o atleta bate forte para a garota perceber que ali não é seu lugar ou não solta os golpes com medo de machucá-la.
Pedro Jorge Maprelian é exceção. Forte, orelhas marcadas pela disputa de outros tipos de lutas, tatuagens pelo corpo, é sparring perfeito para Liliane, bronze no pan-americano.
"Preconceito é bobagem. Gosto de treinar com ela porque aprendo com sua velocidade, sua técnica. Tento exigir dela na medida certa", afirma.
Mas nem todos pensam da mesma forma. E os dentes de Liliane são testemunhas disso.
Certa vez começou a treinar com um atleta da seleção. Estava bem, fazia pontos e arrancava elogios da platéia. O sparring não agüentou as gozações.
"Ele deu duas cabeçadas que amoleceram meus dentes", diz.
Fernanda Oliveira, 26, bronze sul-americano da classe 470 da vela em cima de duplas masculinas, também já foi hostilizada. Entre mulheres, não vê ameaçada sua soberania -acumula dez títulos brasileiros.
"A gente brinca que vai comprar saia para eles. A maioria leva numa boa. Mas já teve quem não gostou e jogou o barco em cima da gente. Passou por cima da amizade porque não queria perder para garotas", afirma.
Apesar dos percalços, o intercâmbio é visto com bons olhos. É unanimidade: os treinos com homens são mais exigentes.
Técnicos de esportes coletivos também usam a estratégia, como em jogos-treino do vôlei e do pólo aquático, para testar o nível das competidoras.
Nos EUA, porém, a prática gerou polêmica. A NCAA, entidade que controla as ligas universitárias, evoca a constituição para impedir que mulheres e homens treinem juntos.
"Não ligo de não ter rival [no Brasil], desde que possa manter meu nível. Lutar com meninos é uma forma de me motivar e achar parâmetros de comparação para meu rendimento. São mais fortes, mais ágeis, eu me desenvolvo mais", diz Natália.
Seu treinador, Fernando Madureira, toma cuidados. As lutas são com garotos de categorias mais leves. E o treino sempre pára quando há sinais de irritação no semblante da atleta.
"Presto atenção no lado psicológico. A disputa é dura, se ela começa a apanhar, pode perder o foco", diz ele. "Depois, quando vai lutar contra uma menina, parece que nem sente mais os golpes", completa.


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