São Paulo, domingo, 04 de março de 2007

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Primeiro goleador do Corinthians acabou palestrino

Autor de gol histórico do alvinegro foi atrás do irmão no Palestra Itália e gerou descendentes nos 2 lados da paixão

Luiz Fabi foi preterido no time pelo filho do doador de uma bandeira corintiana e virou as costas para o clube mais popular de São Paulo

DA REPORTAGEM LOCAL

Um dos primeiros capítulos da rivalidade entre Corinthians e Palmeiras foi escrito por um personagem histórico do time alvinegro, logo depois da fundação do Palestra Itália.
Luiz Fabi já estava nos anais corintianos por ter sido o autor do primeiro gol da história do clube, em setembro de 1910.
Quatro anos mais tarde, porém, uma briga no time alvinegro o motivou a ir atrás de seu irmão, Matturo, que já defendia o Palestra Itália, clube da colônia que acabara de ser criado por amigos seus.
"Meu pai deixou o Corinthians por causa de uma bandeira", narra Luiz Fabi Júnior, que completa 82 anos de idade na próxima semana.
Ele conta que, para o time entrar numa disputa, era necessária uma bandeira do Corinthians, que nenhum dos jogadores tinha condição de bancar. "Naquele tempo, o Corinthians era pobre, meu pai sempre contava que os calções eram feitos de sacos."
A solução surgiu com uma parceria. Um investidor topou arcar com o estandarte, mas impôs a escalação de seu filho no torneio. Ficou definido que o sacrificado seria Luiz Fabi.
"Ele era sangue-quente e bravo, revoltou-se e resolveu jogar no Palestra. Era amigo dos fundadores e o irmão dele já jogava lá", conta Luiz Júnior.
Mas a participação do primeiro artilheiro corintiano no Palestra Itália não foi longa. Ele dizia ter jogado algumas partidas, mas só há registro de uma, contra o Paulistano, no campo do velódromo em 1914. Até hoje a foto está com seu filho.
"Meu tio, Matturo, que jogou mais tempo. Ele virou técnico do Palmeiras durante três temporadas, indicava jogadores para o time e tudo. Depois, conseguiu ser técnico da Juventus de Turim, mas precisou voltar ao Brasil porque não se readaptou ao frio da Itália."
Apesar de ter defendido o Palmeiras menos vezes e sem grande destaque, Luiz Fabi abraçou de vez as cores do time.
A maior motivação era a fidelidade à origem italiana, tanto que nunca cedeu aos apelos para se naturalizar brasileiro. Mas havia espaço também para mágoa. Nem o convite do Corinthians para a celebração do título do quarto centenário, em 1954 (ou 40 anos depois do episódio da bandeira), ele aceitou.
Depois que pendurou as chuteiras, Luiz Fabi tornou-se funileiro e metalúrgico e nunca deixou de freqüentar o Palmeiras com seus filhos. Mas não tinha tanto entusiasmo assim em torcer pelo time.
"Ele não era muito de ir nos jogos, mas fez seus filhos palmeirenses também. Foi só a outra geração que virou corintiana", explica Júnior sobre os netos e os bisnetos de Luiz Fabi, todos torcedores do time do Parque São Jorge.
Não adiantou nem o entusiasmo de dona Elsie Fabi, 79, nora do autor do primeiro gol corintiano e nascida em outra família palmeirense convicta.
Ela e Júnior tentaram seguir o script de Luiz Fabi, levando os filhos quase diariamente para o Parque Antarctica.
Mas o tiro saiu pela culatra, e os corintianos mais fanáticos são justamente os descendentes de Júnior.
"Meu irmão mais velho, o Luiz Fabi Neto, era o mais fanático e o seguimos. Apesar de sócios e freqüentadores do Palmeiras, o coração é corintiano", conta Humberto Fabi, 50, o terceiro filho de Júnior.
Humberto diverte-se ao lembrar que, quando era garoto, sempre comentava com os colegas de futebol que seu avô era um personagem ilustre na história do Corinthians. "Mas eles nunca acreditavam", afirma.
Ele diz ainda que, antigamente, não fazia segredo do seu time, nem no Palmeiras. Hoje, prefere não alardear que é corintiano dentro do clube.
A missão é mais dura para seu filho de 27 anos, que tatuou nas costas -para a desaprovação da avó- um símbolo do time que o ancestral Luiz Fabi rejeitou há quase um século.
O apreço de seu bisneto pelo Corinthians é proporcional ao ressentimento que o primeiro artilheiro do clube carregou até o fim da vida.
Em 1966, meses antes de morrer de câncer no pulmão, Luiz Fabi foi presenteado com uma carteirinha de sócio remido do Corinthians pelos serviços prestados como jogador. "Mas ele nem quis saber de ir lá. Dizia que não tinha o que fazer no Corinthians", diz Júnior.
Mas o clube que fez Luiz Fabi entrar na história do futebol e que ele tanto repudiou durante a vida foi o único que lhe prestou homenagens póstumas. Sobre seu caixão, só havia uma bandeira alvinegra.
"O Palmeiras, de que ele tanto gostava, não se lembrou de homenageá-lo. Foi só o Corinthians, de onde ele saiu brigado por causa de uma bandeira, que se lembrou dele na morte", relata Júnior, antes de dar seu palpite para o derby de hoje.
"Sempre que tem o clássico, quero que seja empate, assim, eu, minha mulher, meus filhos e meus netos ficamos felizes." (LUÍS FERRARI E PAULO GALDIERI)


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