São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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Copa 2006

Neonazistas pregam Alemanha pura

Partido de extrema direita faz campanha para banir jogadores negros, como Asamoah, da seleção alemã

Especialistas avaliam que a discriminação racial não está controlada e pode se transformar na principal dor de cabeça da organização


GUILHERME ROSEGUINI
ENVIADO ESPECIAL A MUNIQUE

"Branco. Algo mais que uma cor. Por uma seleção realmente branca." As palavras são fortes e acertaram em cheio Gerald Asamoah, primeiro negro a envergar a camisa da Alemanha.
Já corria o ano de 2006, os alemães já haviam gastado milhões para coibir a intolerância racial, e mesmo assim um partido de extrema direita, o NPD (abreviação de Partido Nacional Democrata), não encontrou entraves para atacar o que considera joio no time nacional.
Além de ofender Asamoah, procuravam atingir também Patrick Owomoyela, descendente de africanos e hoje fora do elenco de Klinsmann.
A ação do grupo parece ousada, mas não é um episódio isolado. Apenas engrossa uma já extensa lista de atentados que, segundo especialistas, pode ganhar novo fôlego e se tornar a principal dor de cabeça para os organizadores da Copa, cujo jogo inicial ocorre na sexta-feira.
"A situação não está controlada. Os neonazistas ainda têm núcleos bastante resistentes e, como o futebol também é um canal de expressão de valores étnicos, é importante redobrar os cuidados no Mundial", diz à Folha Reiner Schiller-Dickhut, diretor da Federação Nacional para a Democracia e Tolerância, entidade que atua no combate à discriminação racial.
Sua tese encontra respaldo nos números. Os alemães gastaram, de 2001 a 2005, 156 milhões (cerca de R$ 460 milhões) em 3.600 projetos para coibir atos racistas. A violência, porém, não cessou.
Pior: o número de atentados praticados por movimentos de extrema direita subiu de 12 mil em 2004 para 14 mil em 2005. "Todos devem se preocupar, inclusive a Fifa. É uma triste realidade", relata Reiner.
A entidade que comanda o futebol já está habituada ao tema -acusações de intolerância racial dentro e fora de campo ganharam corpo nos últimos anos- e promete fazer a sua parte. Produziu, por exemplo, faixas com os dizeres "Diga não ao racismo" e pretende levá-las aos estádios a partir do dia 9, quando Alemanha e Costa Rica fazem o jogo de abertura da Copa, em Munique.
O problema é que o outro lado também se mostra entusiasmado. Um CD com músicas do partido e até desfiles em cidades que vão abrigar duelos do Mundial estão na lista de protestos arquitetados pelo NPD e divulgados no último mês em seu site.
Procurado anteontem pela reportagem, Sasha Rossmüller, integrante do partido, preferiu não detalhar os planos.
"Estou fora do escritório e não sei qual a nossa programação. Aliás, não vou lhe dizer se haverá alguma programação. Talvez na próxima semana tenhamos algo."
A ousadia de discursos assim provoca reações extremas na sociedade. Uwe-Karsten Heye, que trabalhou com o ex-chanceler Gerhard Schröder, disse a uma rádio no último mês que há regiões para as quais negros não deveriam ir na Alemanha. O Conselho Africano foi além: elaborou um guia batizado de "Não Vá". Nele estão elencadas as cidades onde os riscos de atentados são maiores. A região do Estado de Brandemburgo foi a mais citada.
O Ministério das Relações Exteriores do Brasil também preparou um manual para os turistas que desejam acompanhar a Copa. O material, divulgado pela Embaixada Brasileira em Berlim, alerta para um possível aumento da criminalidade, mas não toca na ferida das manifestações racistas.


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