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XICO SÁ
Futebol, teu nome é inveja
Após a vitória do São Paulo na
Libertadores, confesso que, apesar de ter secado o time, fui vítima do pecado capital
AMIGO TORCEDOR, amigo secador, se as mulheres têm a inveja do pênis, como disse o velho Freud, nós, os cavaleiros das
távolas redondas, os machos ludopédicos, temos, entre nós mesmos, a
inveja do time, nosso pecado inconfesso.
É um assunto delicado, não revelamos, guardamos lá nos porões do
inconsciente, mas, em certos momentos de fraqueza, confessamos,
numa exclamação quase silenciosa,
a contragosto, e que ninguém nos
ouça: mas que futebol estão jogando
esses rapazes do São Paulo!
Não dizemos a mais ninguém, só a
nós mesmos, mas acabei abrindo o
jogo com o meu estimado corvo Edgar, na noite da última quarta, enquanto secávamos a equipe de Muricy Ramalho. Claro que o agourento não concordou com a minha tese,
debitando na cota da sina e da sorte
-ele tinha acabado de ver o Rogério
Ceni defendendo aquele pênalti- a
escalada do tricolor rumo ao tetra.
Numa tradução livre da fala do
corvo para a nossa linguagem de boteco, o desalmado disse mais ou menos assim, na forma chula que grasnam aves desse tipo: "Que time cagado!". Pura inveja disfarçada.
"Ah, os caras merecem, estão jogando o fino da bola, para frente,
sem a covardia da Copa", tentei impor a minha moral olímpica e autoridade, afinal de contas sou seu dono. O infeliz só granou a caçoar de
mim. Nem deu bola.
Claro que homem que é homem
muda de sexo, mas não muda de time. Isso não impede, no entanto,
que a gente masque o jiló da inveja
em algumas horas, alguns certames.
Vê se me entende, ó seu corvo patrulheiro. Claro que sou paraguaio
desde criancinha ou colorado, agora
já falando da final da Libertadores
da América, mas isso não impede a
minha fraqueza, a inveja de time, algo demasiadamente humano no
mundo dos machos ludopédicos.
Alguns times em especial matam
de inveja em alguns períodos. O Botafogo de Garrincha, o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Tostão, o Atlético
de Reinaldo, o Náutico de Nado e Bita, o Bahia de Bobô, o Vasco de Roberto Dinamite, o América de Edu, o
Inter de Falcão, o Grêmio de Renato, a Lusa de Enéas, o Flamengo de
Zico, o Corinthians de Casagrande e
Sócrates, o São Paulo de Careca e
Müller, o Palmeiras de Evair e Edmundo (o de ontem), o Santos de
Robinho...
E assim eu gastaria os papiros do
mundo inteiro com grandes clubes
que dão inveja até nos mais toscos
dos secadores. E reparem só no que
há de comum entre os citados: um
ou dois craques que representam
uma fase vencedora.
Assim é o São Paulo de Rogério
Ceni. Óbvio que futebol é equipe,
blablablá, todos sabemos. Mas como
faz falta o craque que é, cagado e cuspido, a cara do time.
É, velho corvo, ainda temos duas
chances, dois jogos contra esse time
do Ceni, mas só um azar tira o caneco dos tricolores.
PROMETEUS DA BOLA
O bom no futebol são os doentes
das Segundonas, Terceironas e várzeas tantas possíveis. Como o Gustavo Acioly, amigo alagoano que
vem me contar como foi lindo Paulista x CRB, que o levou a Jundiaí.
Ou como os malucos do "Jogos
Perdidos", blog interessantíssimo
no qual uma turma de maníacos
narra a aventura de viajar em busca
de partidas absurdas pelo país. Em
SP, os blogueiros enfrentam um
frio de 12C, na boa, para ver Grêmio Barueri e América (RJ), pela
Série C. É, como diz o flamenguista
Manuel da Costa Pinto, crítico de
literatura da Folha, aí, nos embates supostamente chinfrins, é que
estão os "Prometeus da vida danificada, que a cada domingo roubam
o fogo dos deuses". Se por delicadeza perdemos um tanto da vida, em
jogos perdidos recuperamos o que
sobrou da poesia da existência.
xico.folha@uol.com.br
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