São Paulo, sexta-feira, 04 de agosto de 2006

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XICO SÁ

Futebol, teu nome é inveja

Após a vitória do São Paulo na Libertadores, confesso que, apesar de ter secado o time, fui vítima do pecado capital

AMIGO TORCEDOR, amigo secador, se as mulheres têm a inveja do pênis, como disse o velho Freud, nós, os cavaleiros das távolas redondas, os machos ludopédicos, temos, entre nós mesmos, a inveja do time, nosso pecado inconfesso.
É um assunto delicado, não revelamos, guardamos lá nos porões do inconsciente, mas, em certos momentos de fraqueza, confessamos, numa exclamação quase silenciosa, a contragosto, e que ninguém nos ouça: mas que futebol estão jogando esses rapazes do São Paulo!
Não dizemos a mais ninguém, só a nós mesmos, mas acabei abrindo o jogo com o meu estimado corvo Edgar, na noite da última quarta, enquanto secávamos a equipe de Muricy Ramalho. Claro que o agourento não concordou com a minha tese, debitando na cota da sina e da sorte -ele tinha acabado de ver o Rogério Ceni defendendo aquele pênalti- a escalada do tricolor rumo ao tetra.
Numa tradução livre da fala do corvo para a nossa linguagem de boteco, o desalmado disse mais ou menos assim, na forma chula que grasnam aves desse tipo: "Que time cagado!". Pura inveja disfarçada. "Ah, os caras merecem, estão jogando o fino da bola, para frente, sem a covardia da Copa", tentei impor a minha moral olímpica e autoridade, afinal de contas sou seu dono. O infeliz só granou a caçoar de mim. Nem deu bola.
Claro que homem que é homem muda de sexo, mas não muda de time. Isso não impede, no entanto, que a gente masque o jiló da inveja em algumas horas, alguns certames. Vê se me entende, ó seu corvo patrulheiro. Claro que sou paraguaio desde criancinha ou colorado, agora já falando da final da Libertadores da América, mas isso não impede a minha fraqueza, a inveja de time, algo demasiadamente humano no mundo dos machos ludopédicos.
Alguns times em especial matam de inveja em alguns períodos. O Botafogo de Garrincha, o Santos de Pelé, o Cruzeiro de Tostão, o Atlético de Reinaldo, o Náutico de Nado e Bita, o Bahia de Bobô, o Vasco de Roberto Dinamite, o América de Edu, o Inter de Falcão, o Grêmio de Renato, a Lusa de Enéas, o Flamengo de Zico, o Corinthians de Casagrande e Sócrates, o São Paulo de Careca e Müller, o Palmeiras de Evair e Edmundo (o de ontem), o Santos de Robinho...
E assim eu gastaria os papiros do mundo inteiro com grandes clubes que dão inveja até nos mais toscos dos secadores. E reparem só no que há de comum entre os citados: um ou dois craques que representam uma fase vencedora.
Assim é o São Paulo de Rogério Ceni. Óbvio que futebol é equipe, blablablá, todos sabemos. Mas como faz falta o craque que é, cagado e cuspido, a cara do time. É, velho corvo, ainda temos duas chances, dois jogos contra esse time do Ceni, mas só um azar tira o caneco dos tricolores.

PROMETEUS DA BOLA
O bom no futebol são os doentes das Segundonas, Terceironas e várzeas tantas possíveis. Como o Gustavo Acioly, amigo alagoano que vem me contar como foi lindo Paulista x CRB, que o levou a Jundiaí. Ou como os malucos do "Jogos Perdidos", blog interessantíssimo no qual uma turma de maníacos narra a aventura de viajar em busca de partidas absurdas pelo país. Em SP, os blogueiros enfrentam um frio de 12C, na boa, para ver Grêmio Barueri e América (RJ), pela Série C. É, como diz o flamenguista Manuel da Costa Pinto, crítico de literatura da Folha, aí, nos embates supostamente chinfrins, é que estão os "Prometeus da vida danificada, que a cada domingo roubam o fogo dos deuses". Se por delicadeza perdemos um tanto da vida, em jogos perdidos recuperamos o que sobrou da poesia da existência.


xico.folha@uol.com.br

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