São Paulo, sábado, 04 de setembro de 2010

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RITA SIZA

Corrupção no críquete


Não entendo esse esporte, que remonta ao século 16, mas não está imune às mazelas de hoje


O CRÍQUETE é um jogo que não entendo. Também nunca me esforcei por entender: nunca vi ninguém a jogar críquete, nunca ouvi ninguém a discutir críquete, nem nunca tive um amigo que gostasse tanto de críquete que tivesse a disposição e paciência para me explicar tudo aquilo que eu nunca soube nem nunca quis saber sobre esse esporte.
Só muito recentemente fiquei moderadamente curiosa no críquete. Foi depois de ler o magnífico "Netherland", um livro do escritor nascido na Irlanda e radicado em Nova York Joseph O'Neill, que conta a história de um expatriado holandês perdido (literal e figurativamente) naquela maravilhosa e caótica ilha americana depois dos atentados de 11 de setembro de 2001.
Hans van den Broek, o personagem, tem a vida a desmoronar-se de forma tão súbita e brutal como as Torres Gémeas de Manhattan, mas, mesmo assim, tem tempo para praticar e apreciar esse esporte desconhecido e mal-amado pelos americanos e todos os ignorantes -como eu- incapazes de reconhecer e admirar esse jogo.
Ele descreve a perfeita geometria de um lançamento. Ele especula sobre a jardinagem da arena de jogo. E ele fala no carácter extraordinário destes esportistas, simultaneamente estetas e homens de ciência, com linhagem de antecessores que remonta ao século 16.
Talvez por isso tenha ficado tão interessada neste folhetim de trapaça, mentira, ganância e fraude que destruiu a reputação da selecção de críquete do Paquistão, em viagem pelo Reino Unido. Três dos jogadores do time -o capitão Salman Butt, e os lançadores Mohammad Asif e Mohammad Amir- foram ontem suspensos pelo Conselho Internacional do Críquete e serão alvo de uma investigação criminal, depois de um tabloide britânico ter publicado provas de que eles receberam dinheiro de um "agente" para falhar uns lançamentos.
Os jogadores não só concordaram em falhar como, pelos vistos, explicaram como e a que altura do jogo iam falhar: eles iam pisar a linha para anular o lançamento. Alegadamente, eles participariam num esquema de apostas, que, para distribuir lucros, manipulava os resultados dos jogos.
"Eles vão ter de responder pelo que fizeram. E nós vamos fazer tudo o que for preciso para preservar a integridade do jogo", garantiu o diretor-executivo do Conselho Internacional de Críquete, Haroon Lorgat, sem esconder a sua mágoa e "extrema desilusão" pelo escândalo.
Continuo a não saber como se joga, mas pelo menos já descobri que nem o críquete, esporte supostamente de cavalheiros, está imune à corrupção.


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