São Paulo, domingo, 04 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

O que quer se desenvolver, o Rio ou a Barra?

SERGIO MAGALHÃES
ESPECIAL PARA A FOLHA

É excepcional a oportunidade oferecida para o desenvolvimento do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos.
As Olimpíadas, contudo, não são uma panaceia para problemas urbanos. Degradação ambiental, crescimento de favelas e violência não se superam por mágica. Mas é justo esperar que os investimentos previstos e o sentimento de promoção da cidade possam estruturar uma recuperação consistente.
Há dois condicionantes, porém: 1) o adequado tratamento ambiental que venha a ser desenvolvido até lá, no sentido da sustentabilidade urbana; 2) a coerência entre a marca da cidade e o palco dos Jogos. Por que isso pode preocupar?
Porque há uma questão urbanística importante: a ambiguidade quanto à região a ser desenvolvida prioritariamente. É a cidade ou a Barra da Tijuca?
Entre os mais importantes legados projetados está a despoluição da baía de Guanabara, fundamental para a reestruturação urbanística da cidade.
Um segundo legado poderá ser a revitalização do centro.
O centro do Rio é o seu lugar histórico. Dispõe da melhor acessibilidade e conexões metropolitanas. É o núcleo principal dos empregos. Seu processo de esvaziamento tem se exacerbado pelo abandono de edifícios e áreas antes ocupados pelo governo federal.
Sofre também com o estímulo à ocupação da Barra, distante 40 km. Com 200 mil habitantes (2% do total), a Barra tem recebido investimentos públicos desproporcionalmente à sua participação demográfica.
Embora os Jogos estejam projetados para ocorrerem em quatro áreas (sul, centro, norte e Barra), é na Barra que se prevê a Vila Olímpica.
Algumas modalidades têm exigências de lugar, como esportes náuticos, na lagoa Rodrigo de Freitas e em Copacabana (sul). Ou pelo aproveitamento de arenas existentes, como o estádio João Havelange (norte) e o Maracanã (centro expandido). Já os equipamentos da Barra, como a Vila, não tem especificidade de localização. Ao contrário, é o bairro que demanda a construção de infraestrutura para os Jogos.
A escolha da Barra foi justificada pela disponibilidade de grandes áreas livres. Em que pese a baixíssima densidade populacional, que torna proibitivo investir em transporte de massa, essa decisão seria a mais adequada, já que não se vislumbrava outra região com áreas passíveis de aproveitamento.
Mas, felizmente, as coisas mudaram. O município anunciou como prioritário o desenvolvimento da região portuária (centro), onde há grandes áreas disponíveis, públicas, para cujo aproveitamento já houve acordo entre Lula, o governador e o prefeito. A sinergia que não havia antes, entre as decisões federadas, hoje é inconteste.
Tal disponibilidade tem potencial construtivo muito superior ao necessário para a Vila e demais arenas projetadas. De frente para a baía recuperada, a Vila poderá servir de fomento à moradia no centro, a sinalizar novo século de desenvolvimento. Por certo se constituirá como o coração dos Jogos-2016. É justo que assim seja, pois disporá da melhor infraestrutura de transporte, com duas linhas de metrô mais as três novas linhas que poderão resultar da transformação dos trens suburbanos em metrô, promovendo integração por transporte de massa de 70% da população.
Assim, o palco dos acontecimentos olímpicos estará indissociado da imagem ambiental do Rio. Os Jogos de 2016 podem representar o papel que as obras de Pereira Passos desempenharam no início do século 20, quando a ideia de cidade maravilhosa foi constituída -e que, hoje, pode ser recuperada.


SERGIO MAGALHÃES é arquiteto, doutor em Urbanismo, professor do Prourb e da FAU-UFRJ


Texto Anterior: Olimpíada-2016 tem a primeira rusga
Próximo Texto: Com a Olimpíada, Brasil pode superar "vira-latice"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.