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FUTEBOL
Das "galinhas de Luxemburgo" aos personagens cômicos, sede revela histórias que ajudam a entender espírito do clube
Parque guarda lenda e folclore corintiano
DA REPORTAGEM LOCAL
DO PAINEL FC
"É a máfia russa, mãe." A frase é
a resposta de um garoto, filho de
uma associada do Corinthians, ao
ser avisado que estava diante de
Alberto Dualib e sua comitiva, no
saguão da sede social do clube.
Na verdade, o grupo de engravatados que visitava as instalações
do futuro memorial corintiano
era composto por vices, conselheiros e seguranças.
A cena é comum no Parque São
Jorge, uma pequena cidade que
em seus 140 mil m2 esconde atrações, quase sempre cercadas por
lendas, como "as galinhas de Luxemburgo" e a biquinha com
água que transforma "pagãos"
em corintianos fanáticos.
Um tour pelo clube, na zona leste da capital paulista, revela o que
é o Corinthians. As andanças podem proporcionar encontros
com personagens folclóricos, como Biro, observador paralítico
das categorias de base ou um conselheiro que limpa a dentadura na
mesa do restaurante.
Muitos deles fazem parte de
confrarias como a Chorumela, de
antigos conselheiros, que só uma
vez por ano aceita mulheres em
seus encontros mensais.
O saguão onde o jovem trombou com Dualib e seu estafe é um
bom ponto de partida para uma
visita pelas alamedas do Parque
São Jorge, que pode ser feita por
associados e por quem quiser freqüentar o clube por um dia.
SENADINHO
Na saída do saguão, o visitante
vê um conjunto de nove bancos,
onde, à sombra de seis árvores, alguns dos mais antigos conselheiros se reúnem aos sábados para
discutir a política interna.
Na opinião dos mais jovens, tais
encontros servem só para que a
velha-guarda fale mal de todos.
O senadinho tem como vigias
permanentes estátuas de ídolos
do clube, como Luizinho e Cláudio Christóvam de Pinho, e réplicas de troféus, entre eles a do
Mundial de Clubes da Fifa, um
tanto enferrujada. Um capacete
do corintiano Ayrton Senna,
morto em 1994, também faz parte
do acervo, que merece ser visto.
CASINHA
A 50 passos do senadinho fica o
QG do vice de futebol amador,
Nesi Curi, um dos mais fortes
conselheiros atualmente, apadrinhado pelo ex-presidente Wadih
Helu, que por décadas ditou os
caminhos da política corintiana.
Em sua sala, apelidada de casinha, Curi recebe personagens folclóricos, como André Negão,
também conhecido por André da
Sorte. Influente nas categorias de
base, ganhou fama após ser baleado. O número de tiros varia de
acordo com o narrador da história: de três a 11, assim como os
motivos para o ataque.
Perto do ponto de encontro da
cúpula do futebol amador, uma
figurinha fácil é José de Oliveira
Pena Neto, o Biro, 43, de cerca de
1,50 m de altura. Amparado por
muletas, está no clube diariamente há cerca de 20 anos.
"Eu revelei o Cris [zagueiro que
chegou à seleção brasileira]", diz
orgulhoso, exibindo sua carteirinha de olheiro, que lhe garante
uns "trocados por mês".
Ele conta que chegou ao clube
pelas mãos do ex-presidente Vicente Matheus, mais folclórico
dos dirigentes corintianos, e ganhou o apelido por causa de uma
das contratações mais marcantes
do padrinho cartola.
"Quando o Biro-Biro [ídolo do
time na década de 80] chegou,
pintei o cabelo de amarelo."
BAR DA TORRE
A poucos metros de onde Biro
lembrava seu xará famoso há um
dos pontos históricos do Parque
São Jorge: o Bar da Torre.
Instalado sob o ponto mais alto
de observação da cidade corintiana, ele viveu sua época mais glamourosa justamente na era da
Democracia Corintiana, de Biro-Biro, Sócrates e Casagrande.
Eram tempos em que jogadores,
principalmente Sócrates, dirigentes e fãs tomavam cerveja e jogavam conversa fora juntos após os
treinos, confraternização impossível de acontecer atualmente.
Hoje, o bar está fechado. Há na
mesa do presidente um projeto
para reformá-lo e transformá-lo
numa réplica gigante da taça do
Mundial de Clubes da Fifa.
FAZENDINHA
Logo depois do Bar da Torre está o estádio Alfredo Schurig, que
ganhou o apelido de Fazendinha
por causa da antiga cobertura. Segundo os torcedores, ela o deixava parecido com uma fazenda.
O local é palco de manifestações
de carinho e ódio dos torcedores.
O estacionamento dos jogadores,
atrás das cadeiras, já viu agressão
a atletas por parte de membros de
torcidas organizadas.
GALINHAS DO LUXA
A caminhada junto ao alambrado, leva à saída do estádio e a um
dos locais que as crianças mais
gostam no clube. Um minizoológico que começou com as galinhas de Vanderlei Luxemburgo, o
técnico do milionário Real Madrid. Em 2001, ele levou 11 galinhas para o clube. Segundo dirigentes, por sugestão de um pai de
santo. Everaldo dos Santos, 50,
que toma conta dos animais, diz
que o time de aves original de Luxemburgo não existe mais. Segundo ele, as galinhas foram trocadas por outras 11, mas duas
morreram e uma desapareceu.
"O Luxemburgo [que tem uma
irmã mãe-de-santo] trouxe as galinhas com a irmã dele. Mas elas já
foram parar na panela ou alguém
levou", contou Santos.
Como quase tudo no clube, os
animais alimentam a disputa a
política corintiana. Cartolas favoráveis ao retorno de Luxemburgo
dizem que Santos foi orientado
por desafetos do técnico a espalhar que as galinhas morreram.
Eles acreditam que o sumiço
das aves podem fazer o técnico
desistir de um possível retorno ao
Parque São Jorge. Motivo: sem as
galinhas a sorte o abandonaria.
Além das galinhas-d'angola, há
dois galos, duas galinhas, um casal de pavões e quatro coelhos.
"Alguns desses animais foram
deixados aqui pelos próprios sócios", explica Santos.
Outra atração é o galo Tite. O
tratador não sabe o motivo que levou o galo a levar o apelido do ex-técnico corintiano, que peitou o
presidente da MSI, Kia Joorabchian, e acabou demitido.
O carrasco do galo Tite é um pavão, à espera de um nome. "Ele
quer brigar com o Tite, que sempre sai correndo", contou Santos.
"Com as galinhas, nenhum bicho
mexe, elas só andam em bando."
BIQUINHA
Da área onde são criados os animais, o visitante pode ver uma escadaria. Ela leva até uma bica. Diz
a lenda corintiana que até um palmeirense passa a torcer pelo Corinthians se provar a água da biquinha. Uma imagem de São Jorge está há anos no local.
CAPELA
Mas as maiores manifestações
de fé no Parque São Jorge são vistas num ponto distante dali. É
preciso voltar pelo estádio, passar
pelo QG de Nesi Curi e virar à esquerda, na esquina em que fica o
senadinho, para se chegar à capela, construída em 1965.
As missas são aos domingos,
mas diariamente os visitantes podem conversar sobre a história do
clube com Serafim Ruiz, 79. O
aposentado é argentino, conselheiro vitalício, afilhado de Helu.
Como quase todos no clube, ele
fala de futebol e da política corintiana. "Gosto muito do Tevez e
votei a favor da parceria [como
Helu], mas contra os meus princípios", disse sem se explicar.
DAMAS
À esquerda da capela fica o departamento feminino, formado
por mulheres de conselheiros e
associadas, que oferecem cursos
gratuitos de pintura, bordado e
culinária, além de realizar campanhas beneficentes.
RESTAURANTE
De volta em direção à capela,
inicia-se uma caminhada por
uma das áreas mais movimentadas do clube. Lá estão a agência
bancária, freqüentada por jogadores, a lan house, uma pizzaria e
o restaurante, que recebe cartolas,
jogadores e técnicos.
Um novo e maior restaurante
será inaugurado em breve, mas os
"causos" que nasceram no atual
continuarão no folclore corintiano. Um dos mais contados tem
como protagonista um conselheiro vitalício, que, segundo consta,
costuma tirar a dentadura após as
refeições e limpá-la com um guardanapo, sem sair da mesa.
PRÉDIO DA SEDE
O caminho de volta ao ponto de
início do tour passa pelo conjunto
aquático (piscinas olímpica, para
saltos ornamentais, com onda,
duas infantis e uma que simula
correnteza), o Terrão ou Canindé,
local em que são feitas as peneiras,
e as canchas de bocha. O prédio
de cinco andares é centro nervoso
do poder corintiano, principalmente depois que Curi se aliou a
Dualib e passou a freqüentá-lo.
A sala de Dualib fica no quinto
andar. É decorada com uma foto
do presidente Lula e a taça do
Mundial, que também alimenta
as intrigas políticas. Desafetos de
Dualib dizem que se trata de uma
réplica e que a verdadeira está na
casa do presidente, o que ele nega.
Após almoçar no restaurante,
Dualib costuma receber conselheiros, vices e convidados em sua
sala. Os vices Fran Papaiordanou,
Curi, Osmar Stabile e o conselheiro Jorge Kalil entram sem ser
anunciados na sala. O vice Antonio Roque Citadini raramente
aparece desde a chegada da MSI.
Em alta, está o empresário Renato Duprat, que intermediou a
parceria e também tem livre acesso. Todo final de tarde, ocorrem
discussões do presidente com os
aliados em sua sala. A liberdade
dos habitués é tanta que, sem cerimônia, interrompem entrevistas
do presidente para emitir opiniões contrárias à dele até em
questões sobre troca de técnico. O
tema principal é a parceria, Depois, vem o esforço para manter o
Parque São Jorge, uma "cidade"
com 7.000 associados e que consome mais de R$ 1 mi por mês.
Depois de despachar, Dualib
gosta de mostrar a convidados as
obras do memorial e do auditório,
para 400 pessoas. Ficam no térreo, ao lado da loja do clube, bem
numa das portarias. Na outra, fica
uma academia aberta ao público.
"Isso aqui deixou de ser uma fazenda e virou um clube", diz Dualib, apesar das galinhas e dos outros bichos que ainda habitam o
solo corintiano.
(EDUARDO ARRUDA E RICARDO PERRONE)
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